Ecochato, natureba, biodesagradável… Não é de hoje que piadinhas refletem o conflito entre o apelo fácil e sensual do consumismo e o discurso geralmente moral e limitador de quem, querendo ser sustentável, acaba ficando insuportável. A fantasia coletiva e o desejo individual falam mais alto que o fato evidente de que – como decorrência dos limites planetários – o modelo de produção e consumo que nos trouxe até aqui não será capaz de prover bem-estar aos bilhões de pessoas que, de fora, assistem à festa dos incluídos. E agora? Como mudar um sistema no qual – por convicção, ilusão, conveniência ou falta de opção – aposta a maioria da humanidade?
O difuso movimento pela sustentabilidade enfrenta um duplo desafio: não só mostrar que superou a dicotomia ambiental versus social mas também não ser visto como um estraga prazeres retrógrado, saudosista e excludente. Na publicação de pesquisa realizada pelo Instituto Akatu, em 2010, resumimos uma proposta:
“Para ganhar os corações, mentes e bolsos dos consumidores, a Sustentabilidade, a RSE e o Consumo Consciente precisam ser apresentados não como conceitos sofisticados, mas traduzidos em práticas e propostas concretas. E essas não podem ser percebidas pelo público como imposições restritivas, mas sim como uma boa alternativa ao consumismo vazio, angustiante e insustentável. Vistas como o caminho mais curto, barato e desejável rumo à felicidade, que é, ao final, o que todos almejamos”.
Em 2012 o Akatu realizou nova pesquisa, avançado nesse caminho com metodologias inéditas na área. O relatório Rumo à Sociedade do Bem-Estar resume seus resultados, e traz interessantes perspectivas, com destaque para uma “priorização de desejos” utilizando o modelo de Escalonamento por Máximas Diferenças, mais conhecido como MaxDiff. Trata-se uma ferramenta amplamente utilizada no marketing para mensurar quanto certos atributos desejáveis são mais (ou menos) preferidos pelo público quando comparados a outros atributos, também desejáveis.
RESULTADOS PROVOCANTES
Sem saber que o assunto era sustentabilidade, 800 consumidores de todo o Brasil, das classes A, B, C e D, priorizaram 16 “desejos”, sobre oito temas do seu cotidiano. Os entrevistados também não tinham como saber que esses “desejos” apontavam para caminhos diferentes: metade rumando para uma sociedade mais sustentável, metade seguindo o atual modelo consumista. O que se viu foi surpreendente e animador: em todas as classes de renda (e também de idade, região etc.) predominou a preferência pelo “caminho sustentável” (veja gráfico ao lado). A publicação do Akatu traz conclusões detalhadas, e pode ser baixada aqui. Sem deixar de reconhecer possíveis limitações, é uma metodologia consistente, que trouxe resultados provocantes. Um exemplo ilustra bem a situação encontrada: misturadas entre as 16 frases que representavam os “desejos” propostos aos entrevistados, estavam as seguintes: “Quero ter tempo para estar junto com as pessoas de que gosto” e “Quero comprar presentes para agradar as pessoas de que gosto”.
Evidentemente, a primeira frase aponta para um caminho mais sustentável, enquanto a segunda reproduz o consumismo vigente. Numa escala de 0 a 10, o índice médio de preferência dos consumidores da classe A pela primeira frase foi de 9,5 e, pela segunda, 2,2. Na classe B, esse placar foi 8,8 contra 2,2. Na classe C, 8,2 contra 2,6 e, na classe D, 7,6 contra 3,3.
Importante notar que essas frases estavam misturadas com todas as demais, e não foram confrontadas diretamente entre si (o que poderia trazer o viés da resposta “politicamente correta”).
Os dados mostram que, quanto mais baixa a renda, menor a diferença na preferência dada ao caminho sustentável frente ao consumista (um resultado esperável, considerando-se a carência e a frustração de quem vive à margem da festa do consumo). Mas mostram também que, apesar disso, mesmo entre os mais carentes, não é o consumismo que mais diretamente dialoga com as aspirações dos entrevistados, mas sim os valores do bem-estar e do bem viver.
Para quem trabalha por uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável, a boa notícia é que há demanda pelo que temos a oferecer. O desafio, que persiste, é traduzir nossa mensagem: em vez de frustrar sonhos e castrar aspirações com um discurso apocalíptico ou por demais racionalista, aprender a falar ao desejo do consumidor, a mostrar caminhos atraentes e viáveis. Reconhecer a voz das ruas e dialogar com ela é o primeiro e necessário passo.
*Aron Belinky é coordenador do Programa Finanças Sustentáveis do GVces. Anteriormente, foi também o responsável pelas pesquisas do Instituto Akatu mencionadas neste artigo. Artigo publicado no site Página 22; reproduzido com adaptações conforme licença Creative Commons.