Você sabia que as lâmpadas de LED, que são bem mais econômicas do que as comuns, foram inspiradas na radiação da luz dos vagalumes? E que pequenos painéis coletores de energia solar imitam girassóis no método de captação de luz? Essas e outras invenções foram realizadas graças à biomimética, ciência baseada em inspirações da natureza.
“A palavra vem de bio = vida, mimesis = imitação. Ou seja, uma imitação consciente da genialidade da natureza para criar inovação em produtos, processos, sistemas e formas de gestão”, explica Giane Brocco, fundadora e CEO da Amazu Biomimicry, empresa de consultoria e cursos pioneira em biomimética no Brasil.
O termo em inglês, biomimetics, surgiu nos anos 1950 com o acadêmico norte-americano Otto Schmitt, para descrever a transferência de idéias da biologia para a tecnologia. Mas foi apenas em 1974 que o vocábulo entrou para o Dicionário Websters. Em 1982, a palavra passou a ser usada como biomimicry. E em 1997, tornou-se popular com a cientista Janine Benyus em seu livro Biomimicry: Innovation Inspired by Nature (em português: Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza).
Hoje, a biomimética se faz ainda mais necessária, uma vez que a humanidade enfrenta novos desafios, como o coronavírus, que evidenciam a sua própria vulnerabilidade. A resposta para esta e para futuras pandemias pode estar justamente na natureza.
Não por acaso, a biomimética atualmente está presente não só na ciência, mas em áreas como engenharia, arquitetura, medicina, aeronáutica, tecnologia, design, mobilidade urbana, produção de energia limpa e até em setores sociais, econômicos e de gestão.
“A ideia é olhar para a natureza como modelo, medida e mentora dos nossos projetos. Com a biomimética, é possível procurar soluções eficazes e eficientes que sejam sustentáveis”, afirma Brocco.
Além de sustentável, a especialista afirma que a biomimética também tem tudo a ver com consumo consciente, especialmente quando se trata da economia circular, em que os produtos devem ter um ciclo completo sem desperdícios, tal qual acontece no meio natural. “A natureza só consome o necessário, não esgota os recursos. E ao descartar o que não precisa mais, esse rejeito vira adubo, ou seja, ajuda a alimentar o ecossistema em que está inserido. Ela nos ensina a repensar nossa forma de produzir, consumir e descartar.”
Quando o homem imita a natureza
Talvez a gente não se dê conta que um produto tem sua origem na biomimética apenas ao observá-lo. Mas os exemplos de soluções inspiradas na natureza são muitos. Há revestimentos autolimpantes que funcionam como as folhas da flor de lótus; plástico que se autorregenera à exemplo da pele humana; fibras mais resistentes que o nylon, inspiradas nas teias de aranha; e adesivos super aderentes baseados nas microestruturas dos filamentos das patas das lagartixas. Muito engenhoso, não é?
E existem mais. Bioengenheiros do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, criaram um painel solar negro que maximiza a absorção de luz e cuja inspiração veio das asas pretas de uma borboleta nativa do sudeste da Ásia. Essa espécie necessita dos raios solares para voar, por isso suas asas têm propriedades muito eficientes em absorver energia.
No mundo todo, o uso da biomimética vem crescendo a cada ano. Um bom exemplo é a solução desenvolvida pela empresa alemã Arnold Glass. Ela conseguiu resolver o problema da colisão de pássaros com vidros de arranha-céus depois de estudar florestas e descobrir que as aves não colidem com teias de aranha graças à uma fibra que reflete luz ultravioleta. A partir dessa observação, a companhia passou a aplicar fibras ultravioletas em vidros de prédios e evitar a morte de centenas de pássaros.
Na Ásia, o destaque é o trem-bala japonês. Para diminuir o barulho ensurdecedor do veículo, engenheiros encontraram uma solução inspirada no bico do martim-pescador. O pássaro mergulha em alta velocidade para apanhar comida quase sem fazer barulho e nem espirrar água, pois seu bico consegue furar a resistência do ar.
Há exemplos de aplicações da biomimética também na África. A multinacional ARUP construiu um shopping center, o Eastgate Centre, em Harare, no Zimbábue, com sistema de ventilação inspirado em cupinzeiros, que utiliza até 10% menos energia, evitando, assim, o gasto com ar-condicionado.
No Brasil, a biomimética ainda está ganhando terreno, mas já temos alguns casos, como o Votu Hotel, planejado pela GCP Arquitetura e Urbanismo, na Praia dos Algodões, na Península de Maraú, Bahia. A construção tem auto-sombreamento inspirado na capacidade de alguns tipos de cactos. Sua ventilação é natural e constante, com conforto térmico, baseado também em tocas feitas pelo cão-da-pradaria, que costuma fazer entradas e saídas de ar dinâmicas nas áreas escavadas. Já a cozinha tem um sistema de troca de calor com o ambiente externo semelhante ao resfriamento feito pelo bico dos tucanos. Essas soluções evitaram gastos de energia com climatizadores.
Outra iniciativa nacional tem a assinatura da startup Nucleário, acelerada pelo Braskem Labs. Ela desenvolveu um dispositivo para plantio de mudas em larga escala com design inspirado nas bromélias (que acumulam água entre as folhas) e na serrapilheira (camada de folhas e galhos secos que se forma no solo sob as árvores e mantém os nutrientes e a umidade do solo). A Nucleário ganhou em 2018 o Ray of Hope, concedido pelo Biomimicry Institute, que premia soluções inovadoras para mitigar mudanças climáticas.
Quer conhecer mais iniciativas baseadas na biomimética? Consulte a plataforma Ask Nature, mantida pelo Biomimicry Institute. O portal funciona como uma espécie de catálogo on-line com soluções que nos mostram o quanto temos a aprender com a natureza para solucionar os desafios da nossa sociedade.