loader image
01.10.13 às 12:32

O envenenamento das abelhas

Prestadoras de inestimáveis serviços ambientais, as abelhas respondem pela polinização de 71 dos 100 tipos de colheita que alimentam e vestem a humanidade
compartilhe
FacebookTwitterLinkedInWhatsAppEmailCopy Link

Comentário Akatu: O texto abaixo, que detalha a relação direta entre o uso intensivo de pesticidas químicos na agricultura e o declínio da população de abelhas em diferentes lugares do mundo, sinaliza a intensa relação de interdependência ao longo da história entre a ação humana e seu impacto sobre os ecossistemas. Como aponta o artigo, a prevalência de um modelo produtivo baseado na monocultura e no uso de agrotóxicos, associada a fenômenos como as mudanças climáticas, está colocando em risco a continuidade da espécie que é a principal responsável pela polinização, fase essencial para o ciclo reprodutivo de quase toda a flora terrestre e, desse modo, para a vida em nosso Planeta. Mais do que ser parte da origem do problema, os consumidores também podem ser o impulso para sua solução. Por meio de mudanças em suas práticas cotidianas, os consumidores se percebem como cidadãos e, ao se empoderarem, incentivam as empresas a inovar no sentido de criar formas de produzir que sejam socialmente justas e ambientalmente equilibradas, inclusive na agricultura. Este novo comportamento e esta nova consciência são primordiais para tornar viável um futuro mais sustentável para toda a vida no planeta.

Em sua recente participação no III Encontro Internacional de Agroecologia, em Botucatu (SP), a cientista indiana Vandana Shiva lembrou a tragédia que a levou a estudar o impacto da indústria química na agricultura: o vazamento de 42 toneladas de um gás letal na fábrica de pesticidas da Union Carbide em Bophal, na Índia, em 1984, que causou a morte de três mil pessoas e sequelas permanentes em mais de 100 mil. O presidente da empresa norte-americana, Warren Anderson, teria fugido do país em avião do governo, dias depois, abandonando na fábrica toneladas de produtos químicos perigosos, entre eles DDT – que estão lá até hoje.

A origem da tragédia, lembra Vandana, está na chamada Revolução Verde, imposta pelos Estados Unidos em sua área de influência geopolítica nos anos 1960 para ampliar o mercado de produtos agrícolas e agroquímicos – fabricados a partir de armas químicas usadas na Guerra do Vietnã. O resultado desse modelo, o agronegócio, é conhecido: 65% da biodiversidade e da água doce do planeta contaminadas por agrotóxicos – caldo de cultura para a morte súbita e desaparecimento das abelhas melíferas, fenômeno batizado em 2006 de Colony Collapse Disorder (CCD), ou Desordem de Colapso da Colônia.

Prestadoras de inestimáveis serviços ambientais, as abelhas respondem pela polinização de 71 dos 100 tipos de colheita que alimentam e vestem a humanidade, segundo relatório da ONU de 2010. Às abelhas devemos – além do mel, do própolis e da cera – os aspargos, o óleo de canola e o de girassol, as fibras têxteis do linho e algodão e culturas utilizadas para forragem na produção de carne e leite, como a alfafa. A videira depende em parte do trabalho das abelhas e, com ela, a produção de vinhos. Em um mundo sem abelhas seriam impensáveis os cítricos, o abacate, o agrião… Em particular, a produção de maçãs, morangos, tomates e amêndoas, entre outros.

Desastre global
O declínio da população de abelhas foi notado em 2006, nos EUA. Quando a Europa acordou para o problema, em 2007, a CCD já atingia Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal. Ouviam-se notícias sobre o desastre no Canadá, Austrália, Brasil, e até mesmo o desaparecimento de 10 milhões de abelhas em Taiwan. “Sim, é um fenômeno global”, confirma Carlo Polidori, pesquisador do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madri, na Espanha, onde as perdas chegam a 90%, em algumas regiões. As últimas notícias são de julho, na província canadense de Ontário, onde se perderam 37 milhões de insetos.

No Chile, onde até o ano passado a versão oficial era de que não havia evidências da existência da CCD, apicultores da região de BioBio registraram, em maio, a perda de milhões de abelhas. Como no Brasil, as chamadas externalidades negativas do modelo de exportação agroindustrial atingem em cheio o pequeno criador.

No Brasil, há registros sobre mortalidade súbita de abelhas desde 2007 – no Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo. Todos ligados à exposição de pesticidas nas cercanias de áreas de monocultura – de tabaco, soja, cana, milho, laranja. “Os laranjais, que já foram importante fonte de néctar para a produção de mel, são hoje perigosos, dada a quantidade de agrotóxicos usada para combater doenças como o greening”, afirma o geneticista David De Jong, doutor pela Universidade de Cornell (EUA) e professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (SP).

As causas dessa mortalidade são diversas: inseticidas e fungicidas, déficit nutricional associado à carência de flora natural, mudanças climáticas, manejo intensivo das colmeias, baixa variabilidade genética, vírus, fungos, bactérias e ácaros – juntas ou separadamente. Até a emissão eletromagnética de celulares já foi investigada, sem resultados conclusivos. Mas o principal fator do desastre, concordam estudiosos, é a classe de agroquímicos denominada neonicotinoides. “Os pesticidas são causa de perdas importantes, com certeza”, afirma David De Jong. “Temos situações de toxicidade aguda, em que as abelhas morrem de uma vez, logo após a aplicação do agrotóxico. Mas há outras em que doses subletais podem fazê-las perder o rumo e não voltar ao ninho. Doses baixas de inseticidas também enfraquecem o sistema imunológico da abelha. O fato é que, com os novos inseticidas do grupo dos neonicotinoides, estamos definitivamente perdendo muitas abelhas Apis mellifera e espécies de abelhas nativas”, adverte o pesquisador.

O presidente da Confederação Brasileira de Apicultores (CBA) e da câmara setorial do mel em Brasília, José Cunha, revela que “esses agrotóxicos são sistêmicos. A planta se desenvolve e o produto tóxico vai para seiva, pólen, néctar, permanecendo no solo durante anos. Mesmo na rotação de culturas continua presente, atingindo o lençol freático. Os polinizadores estão pagando um preço muito alto, é um passivo ambiental incalculável”. Para Suso Asorey, secretário da Associação de Apicultores Galegos (AGA), “a colocação no mercado destes pesticidas neurotóxicos sistêmicos coincide com perdas de até 40% das colmeias”.

Habitantes da Terra há mais de 60 milhões de anos, as abelhas são um dos sistemas mais importantes de suporte à vida, e revelam a íntima interdependência entre os reinos animal, vegetal e humano. Citação atribuída a Einstein que circula na internet sugere que, se elas desaparecessem hoje do planeta, a humanidade só sobreviveria por mais quatro anos. Não por acaso, sua morte é conhecida nos EUA como Armagedon das abelhas.

 

Para ler a versão original, sem cortes, do texto publicado pelo Outras Palavras, clique aqui.

Curta no Facebook
Siga no Twitter

compartilhe
FacebookTwitterLinkedInWhatsAppEmailCopy Link

Veja também