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19.07.13 às 11:23

Compras locais em vez de globais

Sempre que possível, é melhor para o cidadão, para o meio ambiente, para a sociedade e para a economia o incentivo ao desenvolvimento regional
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O primeiro ponto básico para caminhar na direção de uma economia sustentável é considerar que, como se está partindo de uma situação insustentável dos pontos de vista econômico, ambiental, social e individual, o processo de evolução para a sustentabilidade será gradual, passo a passo. Será importante valorizar cada mudança na direção correta mais do que criticar aquelas mudanças necessárias e que ainda não ocorreram.

Para isso, é preciso criar um novo conjunto de valores, uma visão de longo prazo do que é uma sociedade sustentável, visão esta que seja atraente e desejável para todas as pessoas, onde se atenda de modo equitativo as necessidades de bem estar de todos. E mais: uma sociedade em que cada pessoa tenha participação na definição das características sociais e ambientais do mundo em que vivemos, na medida em que todos serão afetados; e em que cada pessoa tenha a possibilidade de uma perspectiva material e espiritual que dê sentido à vida de cada um.

Trata-se de uma mudança no modelo de civilização, o que, obviamente, é um processo de longo prazo que exige a mobilização e participação de todos.

Dentro desse processo, buscando tornar mais concreta a visão de uma sociedade mais sustentável, o Akatu lançou um documento com dez propostas indicando os caminhos que permitem construir uma nova sociedade de consumo e um novo modo de produção que atendam ao bem estar de toda a humanidade com maior eficiência no uso dos recursos naturais, por meio de negócios social e ambientalmente mais sustentáveis, que podem resultar em uma rentabilidade justa para o capital, visando uma sociedade mais humana, com maior equidade e justiça social.

Um dos dez passos apresentados é o de um modelo de produção e consumo que valorize a produção e do desenvolvimento locais mais do que a produção global. Isso já ocorre Brasil afora, por exemplo, por meio de organizações comunitárias na produção e comercialização de produtos típicos regionais.

E a ideia não é combater a produção global. A priorização das compras locais significa escolher, no que for possível, produtos e serviços com produção local, resultando em menores deslocamentos de transporte e na geração de riqueza na microrregião.

Vale destacar que o desenvolvimento econômico local não é simplesmente o reflexo de um processo de desenvolvimento nacional em uma dada localidade. O que caracteriza o processo de desenvolvimento econômico local é o protagonismo dos atores locais na formulação de estratégias, na tomada de decisões econômicas e na sua implementação.

Com isso, há um incentivo à economia local, que pode proporcionar a geração de novas ocupações e de inovação em produtos e serviços, que, por sua vez, geram potencialmente um ciclo virtuoso, que agrega valor à cadeia produtiva local, aumenta a riqueza da região e, se houver relações produtivas mais justas, impulsiona a redistribuição de riquezas e a redução de desigualdades sociais.

Há também maior circulação de riquezas na comunidade, já que o desenvolvimento local proporciona um aumento do número de transações econômicas interna e externamente à região. Neste aspecto, saem ganhando o consumidor morador da comunidade, pois tem maior acesso ao crédito; o empreendimento e os empreendedores, que tem a possibilidade de prosperar; a região, que ganha mais e melhores postos de trabalho, e atrai novos investimentos; além do possível ganho em qualidade de vida, e infraestrutura da região.

A preferência por produtos e serviços locais incentiva também o rompimento da lógica secular da economia brasileira de vender commodities, de baixo valor agregado, e comprar de outros países os produtos industrializados, com valor agregado muito maior. Comprar localmente incentiva a produção local, agrega valor à economia local, amplia e sofistica a cadeia de produtiva e oferece opções de maior valor agregado aos negócios que apenas tiram o produto in natura e vendem ao exterior. Melhor que vender a fruta é vender o suco; melhor que derrubar a árvore, é vender essências, óleos, produtos de fibra; melhor que exportar o minério bruto, é vender o produto, o aparelho, a máquina; melhor que comprar produtos que viajam longas distâncias é incentivar a criação de indústrias locais desses mesmos produtos.

E mais, ao preferir a compra de produtos e serviços locais, o consumidor também facilita a fiscalização do produto, do serviço e do processo de produção. Os órgãos governamentais podem apurar a conformidade da manufatura e dos procedimentos segundo as leis do país e fiscalizar o cumprimento de obrigações fiscais, tributárias, sociais e ambientais das empresas locais. E o consumidor também pode ficar mais atento e ajudar a fiscalizar, pois, já que a produção está próxima dele, é mais fácil saber quais são e como trabalham os fornecedores, se a empresa produtora pratica no dia a dia os valores de responsabilidade social e ambiental; se não há desvios de conduta, vazamentos de efluentes, processos poluidores, desrespeito aos preceitos de trabalho decente nem aos direitos humanos… Enfim, uma gama de atributos que a empresa deve respeitar e que podem ser premiados pelo consumidor ao comprar aquele produto ou serviço ou punidas pelo consumidor ao valorizar outros fornecedores que ele avalie mais responsáveis. Até nisso o desenvolvimento local é mais vantajoso, afinal, em meio à livre concorrência diante das mesmas condições de competição, as empresas serão incentivadas a superar as boas práticas de suas concorrentes para ganhar a preferência do consumidor.

A dinamização da economia local cria também novos polos de atração populacional e de negócios, o que diminui a pressão migratória para os grandes centros urbanos e, se bem planejada, tende a melhorar a qualidade de vida nesses novos polos com mais opções de serviços públicos, já que a arrecadação aumenta, e com isso a possibilidade de melhor saúde, educação, lazer, transporte e cultura.

Por fim, não menos importante, o desenvolvimento local tende a reduzir também as emissões de gases de efeito estufa no transporte. Isso vale para o deslocamento de pessoas, que podem resolver senão todos, uma grande parte de seus compromissos e necessidades sociais, administrativos, civis, políticos, tributários, educacionais, bancários e de saúde na própria cidade ou região, e vale também para o deslocamento de produtos, que deixam de atravessar distâncias continentais em navios ou aviões e finalmente em trens e caminhões e passam a atravessar distâncias regionais, muito menores, com menos geração de gases de efeito estufa e menor contribuição ao aquecimento global.

De um modo geral, todos ganham: a sociedade, o meio ambiente, a economia, as pessoas. Nada melhor!

Helio Mattar, Ph.D em engenharia industrial, é diretor-presidente do Instituto Akatu.

Artigo originalmente publicado na edição de janeiro, fevereiro e março da Revista Rossi.

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