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29.12.10 às 6:15

Consumo e Sustentabilidade

Sob a marca de uma sociedade de consumo, as companhias já não podem escolher apenas seus produtos como expressão de sua própria identidade, Hélio Mattar
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O século XX foi marcado pela chamada sociedade de consumo e pautado por transformações tecnológicas que permitiram um progresso extraordinário na produção de bens materiais. Isso levou o consumo a um papel cada vez mais central nas relações humanas.

A agenda econômica passou a definir em grande parte a vida das pessoas, impondo a perversa lógica do “eu consumo, logo existo”, na qual as próprias identidades individuais estão fortemente ligadas ao que se compra. Essa lógica chega ao ponto de chamar de “excluídos” os que não têm acesso pleno ao mercado de consumo — como se o grau de acesso ao mercado pudesse definir se uma pessoa pertence ou não à sociedade.

Durante o século passado, as empresas evoluíram enormemente no desafio de produzir bens cada vez mais diversificados, incorporando fatores como preço, qualidade, serviço ao consumidor e inovação tecnológica, reforçando assim vínculos com os consumidores predominantemente baseados no produto. As empresas passaram a viver uma competição extremamente agressiva, com dificuldade crescente de incorporar em seus comportamentos o valor do cuidado no trato com o humano.  A competição passa a ser centrada na lógica financeira de lucros cada vez maiores, praticamente desconsiderando as conseqüências negativas para a sociedade e o meio ambiente.

No entanto, há fortes sinais de que esta relação está se transformando. Os consumidores passam a sinalizar que os valores humanos, o bem-estar social e a preservação do meio-ambiente também estão sendo considerados em suas escolhas de produtos e das empresas que os produzem.

Embora sob a marca de uma sociedade de consumo, o século XXI traz consigo novos valores. Em uma pesquisa do Instituto Akatu em conjunto com o Instituto Ethos, realizada em 2005, mais de 60% dos consumidores entrevistados consideraram que é papel das grandes empresas “ir além do que é determinado pela lei e ajudar ativamente a construir uma sociedade melhor para todos”. Assim, os consumidores  passam a considerar que as empresas devem atuar como agentes sociais cuja responsabilidade vai muito além da geração de produtos, empregos e impostos, incluindo de maneira decidida o bem estar da sociedade.

Como conseqüência, as companhias já não podem escolher apenas seus produtos como expressão de sua identidade. Em um mundo de enorme transparência, a identidade das empresas é revelada pelas condutas adotadas nas relações cotidianas. As possíveis inconsistências entre os valores declarados e a prática serão, mais cedo ou mais tarde, revelados por uma câmera, um microfone, uma mensagem de internet. Nesta época em que todo comportamento empresarial, mais cedo ou mais tarde, se torna visível, as empresas serão reconhecidas não tanto pelo que elas falam de si mesmas, mas pelo que falam dela seus funcionários, clientes, fornecedores, sua comunidade e seus consumidores.

Nessa nova relação entre empresas e consumidores, os parâmetros também são outros, e vão além dos critérios de perfeição que se exigiu dos produtos nos últimos anos. A identificação agora se dá pelos valores em que o consumidor acredita — e que busca verificar se a empresa também acredita e pratica. São atributos que incorporam a maneira como a empresa trata o meio ambiente, os funcionários, os fornecedores, a comunidade. O que vai além de simplesmente apontar os erros pontuais cometidos pelas empresas, mas inclui perceber e valorizar as ações de responsabilidade social das empresas como um todo. Do lado do consumidor, o desafio é ir muito além da ação de denunciar ou boicotar empresas que cometam falhas, mas passar especialmente a valorizar as que trabalham dentro dos padrões éticos com os quais os consumidores se identificam e que provocam sua adesão permanente às marcas da empresa.

Assim, a sobrevivência das empresas estará cada vez mais ligada à sua capacidade de criar vínculos permanentes de identidade com os consumidores e, por essa via, criar as condições de sustentabilidade para suas marcas.  A responsabilidade social terá um lugar central na realização deste potencial de construção. Os consumidores, por sua vez, conscientes de que seus atos de compra são atos de cidadania que definem uma grande parte do mundo em que vivemos, indicarão ativamente às empresas os principais atributos para que se estabeleçam esses vínculos, através dos quais eles praticam e exercitam suas identidades. O consumo, cada vez mais, é exercício de identidade — e a responsabilidade social das empresas o critério para adesão do consumidor.

(*) Helio Mattar é diretor-presidente do Instituto Akatu para o Consumo Consciente

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