O temor crescente relacionado às mudanças climáticas e a necessidade de redução da dependência de combustíveis fósseis tem motivado não apenas o avanço na busca por alternativas de energia, mas também o seu uso mais eficiente. O reforço ao investimento em eficiência energética se dá até mesmo em países com recursos naturais abundantes, como o Brasil, que possuem um vasto histórico de desperdício de energia. O chuveiro elétrico é o exemplo mais notório. Presente na maioria das casas brasileiras, ele representa cerca de 10% da demanda nacional de energia.
“O Brasil tem um Produto Interno Bruto elevado e um uso de energia significativo. A questão é avaliar o abastecimento dos segmentos da economia e verificar onde há espaço para ganhar em eficiência energética, utilizando menos energia para produzir o mesmo valor de PIB”, avalia Roberto Vellutini, diretor de Infra- estrutura e Meio Ambiente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Apesar de ter ganho destaque nos últimos anos, o conceito de eficiência energética ainda está cercado de dúvidas. A economia de energia não representa, por exemplo, uma nova fonte, na medida em que a capacidade poupada acaba sendo destinada para outros fins. De acordo com Ricardo David, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), o processo de eficiência deve reduzir a necessidade de novas fontes e não substituí-las. “Com a eficiência energética, o crescimento da oferta se dá em um ritmo mais lento. Se é possível reduzir a quantidade de energia que alimenta o desperdício e o parque gerador continua o mesmo, obviamente o restante pode ser disponibilizado para uma nova demanda”, avalia.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), cada dólar adicional investido em eficiência evita o gasto de US$ 2 no investimento em mais suprimentos energéticos para o planeta. Reduzir custos operacionais é, portanto, interessante tanto para governos quantos aos negócios. Isso explica o crescente interesse, entre as empresas, pelo desenvolvimento de tecnologias mais eficientes. “É uma questão simplesmente de conscientização sobre as vantagens do uso mais eficiente de energia, que ainda não são disseminadas. Por outro lado, existe certa resistência das distribuidoras, pois muitas ainda encaram a redução de energia como uma ameaça. Como a ação diminui a receita no curto prazo, elas não conseguem ver os benefícios para o setor como um todo, inclusive para os consumidores”, avalia Osório Brito, diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE).
Setor privado busca consultoria em eficiência
Cada vez mais corporações recorrem a padrões sustentáveis de produção. Nesse esforço, tem sido comum buscar o apoio de empresas de consultoria especializadas em eficiência energética, com quem passam a dividir o risco do investimento em novas tecnologias.
Para David, da Abesco, o setor de eficiência energética enfrenta muita defasagem tecnológica. E o principal desafio para superar essa condição é melhorar o conhecimento sobre o assunto entre profissionais de diversas áreas. “Se existe uma tecnologia mais eficiente é preciso conhecê-la, saber de suas vantagens e compreender os seus resultados financeiros. Isso se choca um pouco com a cultura ainda existente no Brasil de resultados no curto prazo e com a formação dos nossos engenheiros e administradores, carentes em análise econômica de projetos desse tipo”, avalia.
Ainda segundo David, como a indústria representa quase 60% de todo o consumo energético no País, tornar mais eficientes o acionamento e o controle de motores elétricos, bem como os sistemas de iluminação e ar condicionado, são boas oportunidades para economizar energia no Brasil.
Edifícios Verdes – economia chega aos elevadores
Outra oportunidade se verifica no setor de construções. Com a disseminação da certificação Green Building para construções sustentáveis, empresas como a Atlas Schindler passaram a identificar na área de eficiência energética uma oportunidade de negócio. Por meio da substituição do sistema de tração tradicional por um mais moderno, as engrenagens e a construção da casa de máquinas não são mais necessárias. O pequeno sistema e o painel de controle são acomodados na parte superior da própria caixa e integrados à porta de pavimento do último piso. Somada às mudanças no acionamento e no controle das máquinas, essas características dos novos modelos geram uma grande economia.
De acordo com Fabio Mezzarano, diretor de Novas Instalações e Modernizações da Atlas Schindler, os elevadores antigos utilizavam até 10 HPs (ou ‘cavalos de força’ — unidade usada para medir a força de motores). Hoje, essas máquinas consomem por volta de 4,5 HPs. “É uma redução significativa em termos de consumo de energia, que pode chegar a até 70% em comparação com as soluções anteriores”, ressalta o diretor.
O sistema, desenvolvido pela matriz suíça da empresa, atende a demanda mundial crescente do Green Building, uma tendência muito forte na Europa, agora em expansão também no Brasil. “O Green Building já se tornou um pré- requisito na construção. Nos últimos dois anos houve uma mudança importante no País, e a preocupação com a falta de energia cresce a cada dia”, destaca o diretor da Atlas Schindler.
Nos próximos quatro anos, a empresa planeja expandir esse modelo de elevador mais eficiente para outros mercados — atualmente a tecnologia está disponível para prédios comerciais e residenciais de médio porte.
Co-processamento e reciclagem também são alternativas
Para economizar energia e dar um fim ambientalmente responsável a diversos tipos de resíduos, a Resotec, braço da Holcim, trabalha com o co-processamento. Por meio dele, os resíduos de outras indústrias são transformados em um material homogêneo, utilizado posteriormente como combustível para os fornos de produção de cimento, que consomem grandes quantidades de energia. “No Brasil e no mundo chegamos à substituição de 15% dos combustíveis tradicionais adotando o co-processamento”, ressalta Edmundo Ramos, gerente da Resotec.
Outra possibilidade que se mostra bastante eficiente para a redução do consumo de energia é a reciclagem. A Novelis, fabricante de laminados de alumínio, investe nesse processo, e transformou em 2007 cerca de 107 mil toneladas de alumínio reciclado em novas chapas do material, a partir da captação de latas do mercado local e daqueles para onde exporta. Para produção de uma tonelada de alumínio são necessárias cinco toneladas de bauxita, processo que pode ser evitado com a reciclagem, gerando uma economia de 95% da energia elétrica para a produção do metal primário.
TI verde
A idéia de reduzir o consumo de energia também vem ganhando força no segmento de tecnologia de informação. Em 2007, a IBM anunciou o investimento de US$ 1 bilhão por ano no desenvolvimento de novos produtos e serviços de TI que ajudam a tornar mais eficiente o uso de energia da própria empresa e de seus clientes.
A companhia identificou a necessidade de adaptação em 1997, ao perceber que seus data centers consumiam grandes quantidades de energia. Desde então, começou a realizar um trabalho específico para a área. Nos últimos dez anos, diminuiu o número de data centers mundiais de 155 para apenas oito. “A empresa fez sua lição de casa. E com o resultado positivo obtido, se deu conta de que tinha algo a oferecer para o mercado e para os clientes que também já começavam a apresentar essa nova demanda”, constata Adriano Barreto, executivo de Desenvolvimento de Serviços da IBM Brasil.
Com o projeto denominado Big Green, que abrange o diagnóstico, a construção, a virtualização (que inclui novos sistemas como os de tele-presença), a gestão e a refrigeração de espaços, a empresa pretende duplicar a capacidade operacional dos centros de processamento nos próximos três anos, sem aumento no consumo de energia. Com isso, a IBM lançou luz sobre uma questão que vinha tirando o sono dos profissionais de TI. Tendo atingido a capacidade total dos data centers, muitas empresas viram sua possibilidade de crescimento limitada e se encontraram diante da necessidade de fazer novos investimentos para mudar esse quadro. Mas, com a otimização desses centros de processamento, a construção de novos espaços deixou de ser necessária e o consumo de energia pode ser muito mais eficiente — chegando a gerar uma economia de 25% a 50%.
A eficiência energética também é um critério valorizado pela Cisco no desenvolvimento de novos produtos. Um exemplo está na área de roteadores: o seu desempenho aumentou 20 vezes, comparado ao de alguns anos atrás, com mesma quantidade de energia. “A partir do momento que se cria um produto mais potente, que ao mesmo tempo não necessita de mais energia, isso auxilia na redução do consumo”, avalia Rodrigo Uchôa, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Cisco Brasil.
Políticas públicas incentivam busca por eficiência
Fatores como industrialização e mudanças no comportamento do consumidor geralmente são associados ao aumento da demanda por energia nas economias emergentes. Ainda que o seu consumo total continue abaixo das nações industrializadas, os países em desenvolvimento apresentam taxas cada vez mais altas de consumo.
Segundo o estudo Energizando o desenvolvimento sustentável – conceitos e projetos, da Agência de Cooperação Alemã GTZ, estima- se que, caso uma ação política drástica não seja tomada, o consumo de energia no mundo aumentará cerca de 50% até 2030, comparado a 2005. E os países em desenvolvimento somarão dois terços desse aumento. “Acredito que faltam políticas públicas para incentivar uma maior difusão e adaptação de eficiência energética nos processos. Impor restrições e incentivar também seria útil. Por exemplo, se um consumidor compra um produto mais eficiente, ele pode receber incentivos tributários”, propõe Vellutini, do BID.
Estabelecer e implementar programas governamentais de fundos requer conhecimento especializado e processos transparentes. No Brasil, uma iniciativa bem-sucedida foi o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL), que resultou em R$ 20 bilhões de economia em expansão dos suprimentos energéticos. “Experimentamos talvez um dos maiores programas tecnológicos na área de eficiência, o Reluz, da Eletrobrás, que realizou uma transformação significativa na iluminação pública brasileira. Não temos toda a capacidade eficiente hoje, mas em um tempo curto renovamos aproximadamente cerca de 70% do parque”, avalia David, da Abesco.
Desafio para governos, empresas e indivíduos
Em 2001, a crise energética que acometeu o País (conhecida como apagão) levou empresas, consumidores e governos a repensarem suas ações em relação ao consumo de energia. Atualmente, o crescente preço dos combustíveis também se tornou uma grande preocupação.
De acordo com Brito, do INEE, houve uma grande conscientização na época, que acabou perdendo força devido à falta de políticas adequadas. “Observou-se uma redução de quase 30% no consumo de energia por algum tempo. Mas depois essa economia acabou sendo consumida. Hoje voltamos para a mesma situação anterior”.
Criar tecnologias mais eficientes e economizar energia são medidas fundamentais para a mudança estrutural exigida por uma economia de baixo carbono. Essa foi uma das questões levantadas na Conferência sobre Competitividade e Eficiência Energética, realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no final do ano passado. No Brasil, segundo Vellutini, existe muito potencial para o ganho em eficiência energética. “É necessário estender o conceito para edifícios e iluminação públicas, onde há espaço para a implantação de estruturas mais eficientes.”
De acordo com Uchôa, diretor da Cisco, a movimentação do Brasil na área de eficiência energética cresceu consideravelmente nos últimos dois anos. Em sua opinião, o grande desafio se dá no âmbito dos indivíduos. “Seja através da economia de combustível, evitando uma viagem de carro ou de outras atitudes, acredito que empresas devem se esforçar para conscientizar as pessoas”, avalia.
Em países emergentes, a pressão está crescendo para aumentar os níveis de eficiência energética. Segundo dados da Organização Latino-Americana de Energia, a América Latina e o Caribe poderiam reduzir o consumo energético em 10% até 2018 se houvesse mais investimentos em tecnologia e equipamentos mais eficientes. O custo de US$ 17 bilhões para atingir essa meta resultaria na redução de consumo de 143 mil gigawatts/hora.
Para atender a essa demanda por meio das tecnologias convencionais, os investimentos saltariam para US$ 53 bilhões, montante necessário para construção de 328 usinas termelétricas a gás natural. Segundo David, em todos os países em que a eficiência energética avançou (Canadá, EUA, Alemanha, Espanha), o Estado teve importante papel de indução. No Brasil, criou-se a lei nº 9.991, em 2000, que obriga concessionárias e permissionárias de energia a aplicar, anualmente, o montante de 0,75% de sua receita líquida em pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico e 0,25% em programas de eficiência energética. Porém, levando em conta a tendência de crescimento do consumo energético na América Latina — que precisará de 75% a mais de energia em 2030 em relação a 2004, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE) — ainda há muito a ser feito.
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