É bem provável que você tenha uma furadeira em casa. O que talvez não saiba é que o uso médio de uma furadeira, em toda a sua vida útil, é de aproximadamente 40 minutos. Aí vem a pergunta: você precisa da furadeira ou do furo? Muitas vezes não é preciso possuir um bem para usufruir dos benefícios que ele pode te trazer – e esse é o princípio do Consumo Colaborativo. Para entender melhor como esse modelo de consumo funcionava, a administradora Camila Haddad estudou o assunto no Devellopment Planning Unit da University College of London. Veja a entrevista que ela nos concedeu em Londres e entenda como o Consumo Colaborativo pode impactar na relação entre as pessoas e suas cidades.
O que é consumo colaborativo?
Esse é o nome que foi dado às formas de consumir baseadas no uso e não na posse dos bens. São formas tradicionais, na verdade: empréstimo, troca, aluguel, etc. Essas relações de consumo estão sendo reinventadas com as novas tecnologias de comunicação. Hoje é possível pesquisar na rede se alguém que more por perto tem um cortador de grama para emprestar, por exemplo. O Consumo Colaborativo parte do princípio de que todo mundo tem alguma coisa em desuso. Tempo, espaço, dinheiro, produtos, etc. E todas essas coisas possuem valor. Um exemplo básico é o carro. O uso médio de carros em São Paulo é de 3 horas por dia. Ou seja, é um bem ocioso diariamente durante 21 horas. Sem contar o fato de que, em geral, só uma pessoa usa um espaço onde caberiam cinco. O que o consumo colaborativo faz é criar um espaço para as pessoas se encontrarem para fazer um melhor uso desses ativos em geral. E a tecnologia está fazendo com que seja possível um encontro de “queros” e “tenhos”, o que era muito mais difícil antes das ferramentas da internet.
Evolução dos modelos de consumo colaborativo de carros.
Infográfico do site Collaborative Consumption.
Sua tese foi sobre a confiança presente nesse processo?
Isso mesmo. Hoje vemos nas cidades que as pessoas estão cada vez mais desconectadas do senso de comunidade, já que os encontros nos espaços públicos estão ficando raros. Então, a internet acaba sendo uma ferramenta importante para o Consumo Colaborativo. Mas como as interações acontecem entre estranhos, é preciso que haja confiança. Se eu entro em um site de caronas e me cadastro para levar alguém que faz o mesmo caminho que eu todos os dias, eu preciso confiar nessa pessoa. Em minha tese eu procurei estudar como essa confiança pode é criada.
E o que você descobriu?
Que algumas ideias da economia clássica estão equivocadas. Segundo a teoria econômica, os humanos são seres “racionais” incapazes de ações colaborativas que não visem o benefício próprio. Então, teoricamente, a gente vê o homem como um ser movido a lucro, mas na prática não é sempre assim que acontece. A pesquisa que eu fiz foi com pessoas que já estavam envolvidas de alguma forma com Consumo Colaborativo. Havia quem fosse movido por interesses econômicos, mas muitos procuram compartilhar seus bens movidos por valores ideológicos.
A diferença entre o mercado tradicional e o consumo colaborativo.
Infográfico do site Collaborative Consumption.
E isso aumenta a confiança?
Em geral, tudo o que a gente faz é baseado em uma experiência passada. Então, os mecanismos criados para gerar confiança são muito baseados em alguma forma de reputação. O interessante é que na lógica do Consumo Colaborativo, a sua reputação é mais importante do que o seu crédito bancário.
E como isso influencia na relação das pessoas com a cidade?
É interessante ver como a tecnologia está sendo utilizada pelas pessoas para se reconectar com o local. Com ferramentas de localização, como um GPS, é possível descobrir o que as pessoas que estão ao seu redor têm a te oferecer. Daí você descobre que teu vizinho possui um aspirador de pó para emprestar e acaba por conhecê-lo. Essas conexões podem fortalecer a esfera local, do bairro, e criar relações mais interessantes de engajamento cívico no futuro. Além disso, há vários grupos utilizando espaços públicos para plantar em jardins comunitários, ou com como espaços de feiras de troca de livros, roupas, etc. Todos esses encontros têm sempre uma desculpa de consumo, mas só funcionam quando há uma coesão social, quando as pessoas, trocam ideias, se conhecem e têm um espaço para conviver. Ou seja: o on line está ajudando as pessoas a se conectarem no mundo real.
Que exemplos de Consumo Colaborativo você pode citar em Londres?
O mais recente é o do bike sharing, com a Barclays [sistema de bicicletas públicas que podem ser alugadas por tempo de uso na cidade]. Tem muito jardim comunitário também, como o Calthorpe Project, onde as pessoas do bairro se encontram para plantar. Esse é um projeto muito livre, cada um se dedica o quanto pode ao cultivo das plantas. E há um controle social interessante: as pessoas só colhem alguma coisa da horta se tiverem plantado. Tem também a “prateleira livre” do Store Street Espresso, onde você pode deixar um livro para retirar outro. O café não faz nenhum tipo de controle, o sistema nesse caso também se regula sozinho: dificilmente alguém pega um livro se não tiver deixado outro. E é muito interessante porque você começa a se perguntar se precisa mesmo possuir todos os livros que já leu. Isso sem contar os encontros fortuitos que acontecem. Você pode pegar um livro que talvez não lesse em outra situação, porque sabe que se não gostar pode devolvê-lo e pegar outro.
Também gosto muito do People’s Supermarket, um mercado em que os compradores são sócios acionistas. Ele é propriedade de toda a comunidade, e cada dono se compromete a dedicar algumas horas de trabalho voluntário por mês. O People Supermarket procura vender apenas alimentos orgânicos de produtores locais eliminar ao máximo embalagens e produtos industrializados. Eles possuem um restaurante em que preparam os alimentos prestes a vencer e, se os produtos passam da validade, eles depositam na composteira no local. Em teoria, funciona como se fosse uma cooperativa, em que os donos também trabalham.
Você acha que a tendência do consumo colaborativo tem potencial de revolucionar as cidades?
Hoje, o Consumo Colaborativo é um movimento marginal e alternativo, mas tem potencial de revolucionar a forma como lidamos com os espaços públicos, com os bens que possuímos e com as pessoas que vivem próximas de nós. Em minha tese sobre a confiança eu percebi que quanto mais as pessoas se envolve nesse modelo de consumo, mais vão tendo abertura para se engajar em outras atividades. Por causa da internet, o Consumo Colaborativo tem o potencial de conquistar vários adeptos com rapidez. Vejo que isso pode, sim, revolucionar nossas cidades e nosso modelo de consumo.
Fonte: Cidade para Pessoas
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