Ser protagonista da própria vida, em relação à forma de consumir, significa fazer escolhas de maneira consciente e alinhadas com suas próprias necessidades e aos seus próprios valores. Implica em não seguir as escolhas dos outros ou os critérios que os outros usam para escolher, refletindo e identificando as próprias e reais necessidades sem se deixar levar pela tentação de procurar compensar, com as compras, um momento de baixa autoestima, de vazio interior ou de frustração. Aliás, o consumo poderá até fazer, momentaneamente, esta compensação, mas certamente não vai curar os sentimentos ruins que geraram essa necessidade de compensação.
Quem nunca comprou um produto acreditando que seria feliz se o adquirisse? Ou uma peça de roupa ou um acessório porque “todo mundo tinha”? As propagandas e a pressão por reconhecimento social levam a colocar no gesto de consumo um papel que este ato não consegue ter. Em uma “sociedade do consumo”, o ato de consumir tem um valor em si e não em função do bem-estar gerado pelo produto na vida das pessoas.
Ninguém será diferente por muito tempo por usar e mostrar as coisas que compra. A expressão da identidade só vai durar se, de fato, existir no modo de ser, de pensar, de agir e de reagir da própria pessoa. O consumo não consegue compensar as deficiências que só o desenvolvimento pessoal pela educação e pela espiritualidade (que não se confunde com religião) consegue entregar. Só assim, sabendo quem se é, será possível adotar uma postura mais crítica no consumo ao invés de seguir os outros e as ondas da moda.
No Dia do Consumo Consciente, o Instituto Akatu faz um convite a todos para que reflitam sobre o seu papel como consumidor, iniciando ou aprofundando o percurso na direção de ser um verdadeiro protagonista em suas escolhas de consumo. É importante desenvolver gradualmente a consciência quanto aos mecanismos que nos fazem consumir, buscando diferenciar as necessidades reais do que é induzido ou artificial.
Também é importante registrar as diferenças entre produtos que, embora desempenhem as mesmas funções, são distintos na origem das matérias primas, na forma de produção e nas atitudes das empresas que os produzem e comercializam, além de diferenças de durabilidade e de impactos quando descartados.
O protagonismo no consumo leva a considerar esses e outros fatores que diferenciam os produtos uns dos outros, e levam a uma escolha alinhada com os valores de cada consumidor.
O consumidor consciente e protagonista considera os impactos positivos e negativos associados à produção, ao uso e ao descarte dos produtos, dando a eles a mesma importância que dá ao preço e à qualidade, e buscando, ao longo do tempo, alternativas para não só minimizar os impactos negativos como também para melhorar o impacto de seu consumo.
Tudo isso pode, inclusive, implicar em uma redução do consumo, em um controle dos desejos mais materialistas, e numa percepção de que a boa sensação de satisfação, que se segue ao momento da compra, pode não se manter no tempo, levando, então, a uma vontade de consumir diferente.
Naturalmente, tais mudanças são maturadas em tempos longos, à medida em que a percepção dos impactos se confronta com os valores mais profundos de cada consumidor. Não se trata de uma redução extrema no consumo, que nem mesmo é viável, mas significa avaliar cada decisão de compra, buscando optar pelos melhores impactos sobre o meio ambiente, sobre a vida das pessoas e, consequentemente, sobre nós mesmos.
Felizmente, os sinais de que isso vem ocorrendo podem ser detectados. A pesquisa Akatu 2018, por exemplo, avaliou o panorama do consumo consciente no Brasil e constatou que, consideradas dez dimensões do consumo como, por exemplo, água, mobilidade e alimentação, nós, brasileiros, optamos por caminhos de sustentabilidade em sete dessas dimensões e por caminhos do consumismo em apenas três.
O “estilo de vida saudável”, a “redução na quantidade de lixo gerado” e a “redução no impacto da geração de energia” foram alguns dos caminhos de sustentabilidade expressos como os mais desejados pelos consumidores.
Por outro lado, para atingir melhores impactos na sociedade como um todo, será preciso que cada pessoa assuma o seu papel de protagonista nas escolhas de consumo e, ao mesmo tempo, se perceba como mobilizador, pela exemplaridade, de sua família e amigos próximos, e como multiplicador do consumo consciente atuando na mobilização ativa de uma mudança de comportamento dos grupos sociais em que convive.
Tal forma de agir de cada um levará a uma mudança na forma de reagir às campanhas de marketing, que ganharam mais força e relevância com as mídias sociais, reduzindo gradualmente o seu poder de nos fazer acreditar que precisamos comprar certos produtos e trocar os que temos.
Ao analisar desejos e necessidades de maneira mais serena, atuando de modo protagonista no consumo, nos aproximamos de nós mesmos e das nossas reais necessidades, colocando em dúvida a necessidade de comprar mais e de sempre trocar pelo novo.
Ao mesmo tempo, os aplicativos hoje existentes permitem outras formas de suprir as necessidades que não são ligadas à posse dos produtos, mas ao seu uso, substituindo o verbo “possuir” por “compartilhar”. Ao invés de comprar um carro, por exemplo, aplicativos de caronas e do uso de taxis e carros de terceiros tornaram viáveis compartilhar carros já existentes, podendo resultar em importante redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) liberados na atmosfera pela produção e pela utilização dos veículos.
O mesmo vale para as roupas, já que é possível comprá-las em brechós, alugá-las ou até mesmo emprestá-las de outras pessoas, com ou sem o uso de aplicativos de comércio virtual, levando até mesmo ao compartilhamento de roupas de festa. Na mesma direção, faz parte do comportamento do consumidor consciente prolongar ao máximo o uso dos produtos, adiando a compra de novos por meio do conserto, da atualização e da modernização dos bens comprados anteriormente.
Gradualmente, esse processo vai reduzir a tendência de empurrar para “debaixo do tapete” um problema maior: nas palavras de Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu, “Muitas pessoas compram o que não precisam, com o dinheiro que elas não têm, para impressionar quem elas não gostam”. Em alguma medida isso é uma verdade maior ou menor, pois os consumidores entram em um círculo vicioso de consumo – de endividamento e excesso de trabalho – para poder comprar mais sem se indagar se realmente precisam dos bens adquiridos.
A pesquisa do Akatu de 2012, Rumo à Sociedade do Bem-estar, perguntou “O que é felicidade para você?” como uma pergunta aberta. Dois terços das pessoas entrevistadas afirmaram que ser feliz é estar saudável e/ou ter sua família saudável e, para 60%, é estar na companhia de amigos e familiares. Assim, a felicidade se encontra no que as pessoas têm de mais humano, no bem-estar próprio e no daqueles que gostamos, compartilhando a vida com eles.
O dia do consumo consciente é uma boa oportunidade para refletir se cada um de nós está vivendo e consumindo de forma alinhada com o que é realmente importante na nossa vida. E, se fizermos parte desses dois grupos (o que valoriza a saúde e o que valoriza o encontro com pessoas queridas), teremos a certeza de que o consumo não é o centro de nossa existência. Ao contrário, o que há de mais humano deve estar no centro da vida. E o nosso consumo deve gradualmente refletir esse valor. O viver como protagonista do próprio modelo de consumo é fazer essas escolhas sempre lembrando do que é realmente importante para nós e para nossos afetos, tendo o consumo como uma escolha e não como uma obrigação. Certamente, a vida será melhor, menos estressada e mais gratificante.