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03.12.10 às 12:03

Lista suja da escravidão: uma vergonha nacional

Quase 120 anos depois da Lei Áurea, ainda existem trabalhadores em condições análogas as de escravos no Brasil
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Neste mês, 51 novos nomes foram acrescentados à lista de empregadores brasileiros flagrados mantendo trabalhadores em situação análoga à de escravos. Com esta atualização, são agora 192 empreendimentos autuados em 16 estados diferentes na chamada “lista suja”.
Todos os quase 200 listados são fazendas, onde os trabalhadores eram submetidos a condições subumanas na derrubada de mata nativa para a ampliação de pastagem, colheita da cana-de-açúcar para a fabricação de álcool, limpeza do terreno para o plantio de soja e algodão, cultivo de café, babaçu, feijão, arroz, milho, batata e tomate, extração de resina e produção de carvão vegetal, produção de água mineral, entre outras atividades.

Desde sua fundação, o Akatu adota a filosofia de orientar os consumidores a avaliarem as empresas de maneira ampla, considerando as práticas positivas e negativas em termos de responsabilidade social e ambiental, e concluindo se o saldo da soma delas é positivo ou negativo.  Porém, no caso de trabalho escravo não pode haver nenhuma tolerância. É absolutamente inaceitável. Não importa o quanto de contribuição positiva uma empresa possa dar à sociedade e ao meio ambiente. É éticamente inaceitável. E humanamente ultrajante.

Por isso fazemos questão de divulgar esta reportagem. Em assuntos de caráter ético e humano desta dimensão não há como vacilar. Uma vez claro que de fato a condição degradante de trabalho aconteceu, o consumidor tem em suas mãos um instrumento poderosíssimo: boicotar a compra de produtos ou materiais dessas empresas e também de quaisquer outras que participarem de suas cadeias produtivas.

Banir pelo consumo
Apesar de parecer uma realidade distante para quem mora nas grandes cidades, o consumidor pode dar sua contribuição para acabar com essa situação vergonhosa e desumana. Mesmo que ele não compre nenhum produto diretamente das fazendas que constam na lista, é possível interferir na cadeia de produção delas e boicotar.

Por exemplo, instituições financeiras públicas, como o Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e também privadas, como o Banco Real ABN Amro (Parceiro Pioneiro do Akatu), Santander (Associado Ouro do Akatu) e Bradesco, não concedem empréstimos para os relacionados na “lista suja”. A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) também assumiu o compromisso de recomendar a seus associados que sigam o mesmo caminho e não financiem as empresas ou as pessoas físicas que figuram na lista do ministério. Os correntistas podem verificar em seus bancos qual é o procedimento adotado em relação a essa questão e, caso o banco ainda não tenha se posicionado, o cliente pode aproveitar para solicitar a adesão da instituição ao veto.

Também existe o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, firmado por mais de cem empresas e associações que se comprometeram a acabar com esse tipo de crime em suas cadeias produtivas. Para isso, negam-se a comprar direta ou indiretamente mercadorias produzidas por fazendas da “lista suja”. O Instituto Akatu assinou o pacto desde que foi proposto em maio de 2005. Entre as empresas que também assinaram estão o Carrefour, o Pão de Açúcar (Parceiro Estratégico do Akatu) e o Wal-Mart (Parceiro Estratégico do Akatu), a Sadia (Associado Benemérito do Akatu) os distribuidores de combustível Ipiranga e Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce. A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), que reúne 30 mil empresas pelo país, fatura US$ 33 bilhões e emprega 1,6 milhão de trabalhadores, aderiu ao pacto em junho passado.

Selos do Algodão
Depois que alguns produtores de algodão do Mato Grosso apareceram em edições anteriores da lista suja, a categoria se reuniu e criou o Selo de Certificação Social do Algodão. O selo tem o objetivo de deixar bem claro que apenas uma minoria dos produtores mato-grossenses havia cometido o crime.  O novo documento passa a garantir que o algodão da safra 2006/2007 cultivado pelas fazendas certificadas está livre de mão-de-obra escrava. O selo não chega ao consumidor, mas é uma informação às indústrias têxteis que poderão escolher o produto plantado em fazendas que garantidamente não utilizam trabalho escravo.

As plantações do Mato Grosso empregam 55 mil trabalhadores que produzem metade do algodão do país. Como a Abit assinou o pacto contra o trabalho escravo, com o novo selo, fecha-se o cerco, e as empresas filiadas à Abit garantem que o algodão usado em seus produtos não possui trabalho escravo.

E mais: em um projeto inicial na Bahia, as gigantes Coteminas, Marisol e Santista (Associado Benemérito do Akatu) criaram, em associação com os produtores locais, o selo Pure Brazil Cotton, para certificar produtos feitos com o mínimo impacto ambiental e livres do trabalho escravo. É um selo que vai acompanhar o algodão desde a plantação até o produto nas lojas. Ou seja, o consumidor poderá conferir essa condição na etiqueta. Segundo a Coteminas, os produtos Pure Brazil Cotton já estão no mercado norte-americano e chegam às lojas brasileiras até o final deste ano.

Portanto, um outro espaço de atuação para o consumidor consciente é escolher positivamente. Preferindo os fornecedores que têm o selo Pure Brazil Cotton, não apenas garantem que o combate ao uso da mão-de-obra escrava, mas também que o impacto ambiental será o mínimo possível. Com isso, o consumidor irá incentivar outros produtores e distribuidores a adotar a mesma postura.

A geografia da escravidão
Na última versão da lista, o Pará é o estado com maior número de empregadores cometendo o crime. São 52, o que corresponde a 27% do total. Seguido por Tocantins (43), Maranhão (32), Goiás (24), Mato Grosso (16), Bahia (5), Mato Grosso do Sul (4), Minas Gerais, Santa Catarina e Rondônia (3), Piauí (2) e Rio Grande do Sul, Ceará, Amazonas, Rio Grande do Norte e São Paulo (1).

Entre os donos das empresas, a maioria dos nomes é dos próprios fazendeiros, mas figuram ainda cinco siderúrgicas, oito carvoarias, uma agroindústria de babaçu, sete agropecuárias, uma usina de álcool, uma de serviços, uma de investimentos e participações, uma produtora de água mineral – no estado de São Paulo –, duas fábricas de móveis e uma indústria agroflorestal – as três em Rio Negrinho (SC).

A exclusão dos nomes da lista suja depende do monitoramento da empresa por dois anos. O empreendedor tem o nome limpo, se, após esse período, não houver reincidência no crime, se todas as multas resultantes da ação de fiscalização forem pagas, se forem garantidas condições dignas de trabalho e se as pendências trabalhistas forem quitadas. A atualização é divulgada semestralmente desde novembro de 2003.

A lista atual localizou um total de 7.598 trabalhadores explorados nessas empresas. De 1995 até hoje, quase 26 mil foram resgatados em situação de escravidão.  A imensidão do país dificulta a fiscalização, portanto, a colaboração do consumidor é fundamental de modo a punir exemplarmente as empresas que cometem tal crime e valorizar aquelas que não o fazem.

Para conhecer a “lista suja”, acesse aqui o site do Ministério do Trabalho e Emprego:

Para conhecer todas as empresas e entidades que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, acesse aqui o site do Instituto Ethos na página sobre pactos.

Se você quiser seguir o Akatu no Twitter, clique aqui.

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