Já não se passa dia sem que a comunicação estampe notícias sobre mudanças climáticas, nas mais variadas áreas. Num único dia, por exemplo, chegaram muitas – a começar de um congresso de 37 países, em Bali, onde se tratou nada mais, nada menos que da desigualdade de gênero nesse terreno: mulheres são mais afetadas pelos eventos climáticos que homens e têm melhores soluções a propor, mas não são ouvidas (AlertaNet, 5/8). Além disso, recursos não são dirigidos para instituições que cuidam de seus direitos, e sim para governos, quando deveriam ir, nos países mais pobres, especificamente para áreas agrícolas, onde mulheres são 70% do total – o que ajudaria também a aumentar a produtividade e a produção, segundo a ONU (RTCC, 4/8). As mulheres poderiam também ajudar a reduzir o consumo doméstico de energia, bem como o de água. Por isso o próximo acordo na área das mudanças precisará ter um capítulo específico voltado para mulheres.
No mesmo dia a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) emitiu um comunicado de experts de 15 países que se reuniram no Chile e advertem que as emissões da agropecuária mais do que dobraram em 50 anos e é preciso um esforço especial para reduzi-las. América Latina e Caribe respondem, nessa área, por 17% das emissões: eram 388 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbono (CO2) equivalente em 1961 e passaram para 900 milhões de toneladas/ano em 2010; o desmatamento e outros usos responderam por 1,9 bilhão de toneladas de CO2 equivalente.
E assim vamos. Ora são notícias de que a umidade do ar na capital paulista caiu para 20%, exigindo “estado de atenção” (O Estado de São Paulo, 4/8), ora é a informação de que a temperatura média de junho último no mundo foi a mais alta desde que começaram os registros, em 1880 – e em 38 meses de junho consecutivos a temperatura global ficou acima da média do século 20 (O Globo, 23/7). Meteorologistas advertem que poderão ser muito fortes, até a virada de 2014 para 2015, os efeitos do fenômeno climático El Niño, mas não sabem ainda em que área poderão ser mais graves.
Os modos de olhar o mundo parecem mudar a cada dia por causa das mudanças no clima. A National Geographic, por exemplo, anuncia que em setembro próximo lançará seu novo Atlas Mundial, com “mudanças drásticas”, inclusive em função da redução (12%) do gelo no Círculo Ártico. Na Antártida, iceberg do tamanho de Cingapura, com 700 quilômetros quadrados, está se desprendendo. O número de migrantes no mundo por causa do clima já supera 50 milhões. O acesso escasso à água influenciará até o conflito entre Síria e Iraque (Folha de S.Paulo, 5/7), “com a transformação de rios, canais, barragens, redes de esgotos e usinas de dessalinização da água em alvos militares”.
Poucos países “escaparão às consequências dos desastres extremos – com água e alimentos principalmente”, adverte até o ministro da Defesa do Reino Unido, Johns Kingwell. E como eles não respeitarão fronteiras nacionais, “o risco de conflitos e problemas militares será alto”. O tema passa a ser central em reuniões internacionais, onde se discute, por exemplo, se a ONU deve proteger os “refugiados do clima” e interceder para que muitos países aceitem sua entrada (UN News Centre, 4/7).
Nem o terreno das ciências biológicas escapa, com muitos cientistas tentando adaptar espécies às mudanças (Carl Zimmer, 24/7), principalmente a secas intensas – já conseguiram, por exemplo, que algumas espécies aumentassem em 35% sua resistência em umidade mais baixa. Como não escapa o terreno dos fenômenos psicológicos, com estudo da Associação Americana de Psicologia mostrando que o clima não está afetando apenas a saúde física, mas também a saúde mental – com estresse após eventos traumáticos, sensação de perda, ansiedade, depressão, abuso de medicamentos, aumento da asma e das alergias, entre outros problemas. Mas também aumentam a violência doméstica e a perda do sentimento comunitário.
O terreno dos alimentos não fica fora, pois o café, o pescado (principalmente salmão e truta) e o cacau africano já estão em risco. Na Índia o café já sofreu redução de 30% em uma década. A produção de vinho vem sendo afetada na França e na Califórnia (diarioecologia, 14/7). Muitas espécies animais estão migrando de seus hábitats tradicionais, segundo a Escola de Ciências Florestais da Universidade de Washington, principalmente pequenos mamíferos e anfíbios. O Sudeste do Brasil e a Bacia Amazônica têm sido atingidos.
Até o campo magnético da Terra está mudando (ESA/DTU Space, 11/7), diz a agência espacial europeia. E nas alterações – que configuram uma tendência de enfraquecimento global – se inclui a anomalia magnética que atua sobre o Brasil. O polo norte magnético desloca-se em direção à Sibéria. Podem estar acontecendo mudanças em processos naturais “nas profundezas da Terra até eventos desencadeados pela atividade solar”. Pode parecer cômico, mas há cientistas dizendo que a baixa luminosidade do ambiente está afetando a mutação do gene recessivo que produz pele clara e cabelos ruivos.
Países insulares do Pacífico acabam de promover uma reunião em que alertaram para a possibilidade de seu desaparecimento, com as mudanças climáticas provocando mais elevação do nível dos oceanos (Sapa, 1/8) e deixando alguns territórios apenas um metro acima das águas. O presidente de Kiribati afirmou na reunião que já é tarde para salvar muitas das ilhas, como as de seu país, Tuvalu, Ilhas Marshall e Maldivas.
Tudo isso já está na mesa. Mas o acordo global para reduzir emissões continua distante. Inclusive no Brasil, onde 35 organizações do Observatório do Clima propõem (Valor, 28/7) que nossas emissões não ultrapassem 1 bilhão de toneladas de CO2 em 2030, menos do que já emitíamos em 2010.
“Eis a Terra. Nossa herança”, já escreveu em 1930 o poeta T. S. Eliot.
Washington Novaes é jornalista.
Publicado originalmente no site do jornal O Estado de S. Paulo.
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