Comentário Akatu: o artigo abaixo chama atenção para um aspecto central no processo de busca da sustentabilidade ao tratar da questão da corrupção. Fica claro que novas regras serão de fato implantadas se houver uma mudança da cultura empresarial, onde “hábitos e costumes, valores, práticas, processos” sejam revistos em busca de uma nova forma de fazer as coisas na empresa, incluídas aí as regras contra corrupção. Esse é um processo que toma tempo e esforço, onde há um papel para os consumidores conscientes, que é o de valorizar as empresas que estão percorrendo a jornada da sustentabilidade, aceitando que, por ser um processo longo e multifacetado, a empresa terá acertos e erros ao longo do tempo, mas, o fato de ter começado, a distingue daquelas que não estão se preocupando com a sustentabilidade em geral e com a corrupção em particular. A valorização pelo consumidor consciente – ao preferir os produtos de empresas que estão em busca de sustentabilidade – não significa um “voto” no sentido de dizer que a empresa é perfeita em termos de sustentabilidade, mas sim, que o consumidor reconhece que ela está em um processo de introdução em sua cultura de uma nova forma de operar que seja mais ética e mais justa com todos os seus stakeholders. E onde não haverá espaço para a corrupção porque a cultura que permeará a empresa em todos os seus gestos não permitirá.
Temos hoje uma oportunidade espetacular de ressignificar o modo típico das nossas empresas de lidar com o conceito e as práticas de compliance.
Não falo apenas na conformidade relacionada a políticas, normas, riscos, perdas, controles e regulamentos, internos ou externos. Não há dúvida de que é preciso rever os processos, o conjunto das normas e abordar todos os aspectos objetivos que isso pressupõe. O maior desafio, porém, é outro: revisitar, com rigor, a cultura empresarial.
O cenário atual exige, com premência sem precedentes, a busca de novas práticas corporativas, que pressupõem a reconstrução da cultura. Delitos de todo tipo rondam as organizações (e, por que não dizer, as pessoas?). Os requisitos para que essa situação seja corrigida são: a consciência de que as regras não são devidamente respeitadas e a decisão de segui-las; a competência no conhecimento das suas especificidades (não vale dizer que não sabe que não pode roubar); a clareza da existência de processos viciados antes considerados “normais”; a criação de um grau de indignação com a não conformidade (processo ou atitude).
Não se pode negar que os processos devem ser ágeis. Se não dá para seguir todos os passos na aplicação das normas, no entanto, a opção não é “fazer a curva”. Quando se usa o “jeitinho brasileiro” em sua face sombria, reforça-se a existência de pequenos delitos. Quer exemplos? Cito alguns da vida pessoal que são bem representativos do que falo, assim você não tenta escapar dizendo “o chefe que mandou”.
Mesmo na vigência do limite de 500 dólares para compras no exterior, quantos viajantes, ao chegar ao Brasil, declaram ter comprado mais do que a cota permitida? Talvez você me diria: “Ah, não seja Poliana!” Mas vou além. Quantos ficam indignados quando, ao perguntar o preço da consulta médica, recebem como resposta: “é com ou sem recibo?”. Quantos não têm filhos ou netos adolescentes que dirigem, ou que fazem uso de bebidas alcoólicas, antes de atingir a idade mínima permitida? Nessas e outras situações é clara a disposição para dar um jeito ou um jeitinho…
No mundo empresarial não é diferente, e tenho certeza de que você saberia dar vários exemplos de pequenas infrações. Poderíamos, ainda, citar grandes delitos, mas isso é desnecessário neste momento.
Nas organizações, os programas de compliance devem, obrigatoriamente, abranger todos os tipos de delito, não importa o tamanho. Observamos hoje uma preocupação maior com a credibilidade dos gestores, mesmo entre os que não têm nada a temer.
Uma recente pesquisa que realizamos com 405 executivos brasileiros mostra que 30% admitem que esse tema os leva a perder o sono. Quando se inclui a questão da credibilidade na discussão de programas de compliance não há alternativa: ser um grande líder, um “Super-homem”, uma “Mulher Maravilha”, não basta. Muito além de uma estrela que brilhe, a cultura da organização deve incorporar essa atitude.
Esse é um dos mais importantes desafios das empresas – e do governo, e da atual equipe econômica, considerada “o time dos sonhos”. Aqui vale um parêntese: quando pessoas como Henrique Meirelles, Pedro Parente, Maria Silvia, Vicente Falconi e Wilson Ferreira se dispõem a emprestar sua credibilidade, construída ao longo de anos de carreira, estão dando claramente um recado: essa mudança é para valer.
Voltando ao desafio, é preciso saber “entranhar” nas equipes a competência objetiva e, muito além dela, a que permite fazer bem o certo, e da forma certa. Em outras palavras, o compliance deve adentrar a cultura. Não dá para esperar que ela mude de forma natural, apenas com a influência dos líderes, por mais nota 10 que eles sejam.
Minha convicção é que a maior parte das pessoas é do bem. Partindo dessa premissa, podemos concluir que a maioria consegue fazer a mudança, certo? Errado. A maior parte, por entender que esse é o momento social, pode desejar a mudança, mas não saber fazer diferente.
Convido você a rever hábitos e costumes, valores, práticas, processos – ou melhor, a vida empresarial. Não podemos esperar três, cinco, dez anos. Temos urgência como cidadãos, como empresários e como pais e mães que lutam por construir um país que dê às novas gerações não apenas oportunidade, mas orgulho! Afinal, agora não tem jeito – nem jeitinho.
Betania Tanure é doutora, professora e consultora da BTA
*Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico
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