Comentário Akatu: O aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera é um dos principais responsáveis pelo crescente aquecimento global, sinalizando a relação de interdependência ao longo da história entre a ação humana e o impacto sobre os ecossistemas e o comportamento climático. Uma das causas dessa alteração climática pode ser o mau uso dos solos. Por isso, é importante mapeá-los e estudá-los para evitar esse tipo de problema (como mostra a reportagem abaixo). Os consumidores também podem ser parte da origem do problema e, por isso, são parte de sua solução. Por meio de mudanças em suas práticas cotidianas, os consumidores se percebem como cidadãos e se empoderam, forçando as empresas a produzirem de forma mais limpa. Este novo comportamento e esta nova consciência são primordiais para reduzir o aquecimento global e suas consequências ruins ao clima do planeta.
O mapa digital de carbono orgânico dos solos brasileiros recém-lançado pela Embrapa une modelagem matemática e conhecimentos levantados em campo para ajudar em diversos programas de conservação de recursos naturais. Um dos beneficiários imediatos será o Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que poderá utilizá-lo para direcionar práticas de redução de emissão de gases de efeito estufa.
Executado pelas técnicas tradicionais, um levantamento similar custaria milhões de reais e anos de trabalho. O novo sistema tem a vantagem de utilizar informações ambientais disponíveis como dados a respeito de solo, relevo, material de origem, clima, associando-os a métodos matemáticos estatísticos para inferir informações em locais não medidos.
“No mapeamento digital de solos (MDS) usamos modelos matemáticos e estatísticos para, com base nas informações de solos existentes, predizer outras que não foram medidas, mas que estão correlacionadas através das variáveis ambientais que determinam a formação dos solos”, diz a pesquisadora Maria de Lourdes Mendonça Santos, da Embrapa Solos, pioneira nos trabalhos sobre mapeamento de solos no Brasil. “O mapeamento digital surge como ferramenta base para a tomada de decisão sobre este recurso natural”, explica. “Não há dúvida que o MDS oferece um vasto campo para a pesquisa e uma oportunidade para a pedologia brasileira que tem, pela frente, um enorme território a ser mapeado”, avalia o professor Alexandre Ten Caten, da Universidade Federal de Santa Catarina.
O mapeamento digital
Desde os anos 60 do século passado a pedologia (estudo do solo no campo) tem a pedometria, palavra derivada das gregas pedos (solo) e metron (medida) como importante aliada. A partir daquela época, a união entre a observação do solo na natureza e a aplicação de modelos matemáticos evoluiu muito ao unir o conhecimento prático do pedológo com os dados estatísticos e numéricos da pedologia quantitativa desenvolvidos nos laboratórios. Atualmente, a pedologia é uma ciência que depende das abordagens quantitativas e qualitativas o que exige a participação de profissionais de diferentes áreas do conhecimento.
A partir da década de 80, com o advento da geoestatística, as informações sobre o solo foram se tornando mais precisas, passando a ajudar de maneira mais incisiva na tomada de decisão. Naquela época, surgiu o mapeamento digital de solos (MDS) unindo geologia, geomorfologia e os fatores que influenciam na formação do solo: clima, organismos, relevo, material de origem e tempo. Graças a ele existe a possibilidade de integrar o conhecimento tácito dos pedólogos sobre as relações solo-paisagem, e a automatização de processos via mapeamento digital de propriedades e classes de solos.
O MDS tem grande importância para responder à demanda de informações no desenvolvimento das atividades humanas. Entre elas, o manejo de solos na agricultura, a execução de zoneamentos ambientais, manejo da água na paisagem e o planejamento de uso da terra.
Em países com menor extensão territorial, como a Dinamarca, o solo já está totalmente mapeado em ótima escala de detalhamento (1:5.000 ou maior). Mas não só os países de menor extensão investem no tema. Os Estados Unidos, por exemplo, com extensão territorial semelhante a do Brasil, possuem um detalhamento de seus solos da ordem de 1:10.000. “É urgente que nosso País invista no conhecimento maior de seus solos sob pena de ficar para trás em alguns desafios globais, como a segurança alimentar, a produção de bionergia, as mudanças climáticas e a própria sustentabilidade da agricultura brasileira. Não se pode planejar o uso da terra, realizar zoneamentos e definir políticas públicas para a agricultura, sem o conhecimento atualizado do recurso solo, que juntamente com a água, devem fazer parte da agenda brasileira de prioridades para o setor produtivo e ambiental”, completa.
Essa afirmativa é confirmada pelo professor Alexandre Ten Caten. “A informação espacial sobre classes e propriedades de solos não está disponível para a maioria das localidades do Brasil. O mapeamento digital, por meio das tecnologias ligadas à geoinformação, pode potencializar nossa capacidade em conhecer a distribuição espacial dos solos por possibilitar que um volume maior de informações sobre os fatores de formação do solo seja processado de forma rápida e automatizada”, diz ele.
Éder Martins, pesquisador da Embrapa Cerrados, no Distrito Federal, aponta que para o futuro do MDS no Brasil, “é necessário desenvolver pesquisas com abrangência nacional. É fundamental o estudo de ferramentas metodológicas e a contínua formação de recursos humanos capazes de aplicar o MDS nas questões nacionais. Um dos desafios, por exemplo, é o desenvolvimento de manejos do solo que permitam a captura de gases de efeito estufa, e para isso é imprescindível o conhecimento do comportamento do carbono em solos, o que o MDS pode responder”.
Mapeamento global
No País, o principal fórum de debates sobre o assunto está na Rede Brasileira de Pesquisa em Mapeamento Digital de Solos (Rede MDS), coordenada pela Embrapa, no âmbito do CNPq.
O objetivo dessa Rede é juntar os interessados no tema, a fim de avançar a pesquisa no assunto e elaborar projetos em parceria, com ampla abrangência para o mapeamento dos solos. Atualmente, a Rede MDS conta com setenta membros de vinte instituições de ensino, pesquisa e extensão rural nas cinco regiões do Brasil.
No exterior, o consórcio GlobalSoilMap.net é o ponto de encontro dos estudiosos do assunto. Formada em 2009, a rede tem Lourdes Mendonça no grupo coordenando as ações na América Latina e Caribe. Participam também do consórcio instituições como a Universidade de Columbia (Estados Unidos), o Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (INRA-França) e a Universidade de Sydney (Austrália).
O consórcio alavancou as iniciativas no tema de forma global, propondo avanços metodológicos, especificações técnicas e a harmonização de métodos, buscando produzir um novo mapa mundial de propriedades de solos, usando novas tecnologias e a uma boa resolução. Esses mapas serão completados com opções de interpretação e funcionalidade para ajudar na tomada de decisões em vários assuntos, tais como produção de alimentos e erradicação da fome, mudança climática e degradação do meio ambiente.
“Infelizmente, Dinamarca e Estados Unidos são exceções”, diz Lourdes Mendonça. “De forma geral, há uma escassez de dados de solos no mundo e, quando existem, são limitados, dispersos, desatualizados e difíceis de comparar. Essa necessidade e a crescente demanda por informação sobre os solos têm alavancado o desenvolvimento do MDS”. Agora, para os estudiosos, o desafio maior vai ser o de sistematizar e entender os dados existentes e a eles adicionar os produzidos por novos sensores.
Ano Internacional do Solo
Para aumentar a conscientização sobre o recurso solo e sua importância na agenda de desenvolvimento global, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) lançou em 2011, a Aliança Global para o Solo (GSP, da sigla em inglês).
Essa Aliança possibilitou colocar o solo no centro dos diálogos globais, observando as necessidades nacionais e regionais, envolvendo instituições e comunidades locais para melhor se apropriarem do tema e catalisar a coordenação de políticas públicas e investimentos em solos.
Para dar mais visibilidade ao assunto, as Nações Unidas declararam 2015, o Ano Internacional. FAO e GSP se encarregarão das atividades ao redor do mundo em colaboração com os países membros. O objetivo é aumentar a conscientização sobre a importância do solo para a segurança alimentar e sobre suas funções essenciais para o funcionamento dos ecossistemas.
(Reportagem publicada originalmente por Carlos Dias no site da Embrapa)
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