Executiva do setor financeiro, a madrinha chega atrasada e estressada à festa de aniversário do afilhado. Envergonhada, ela se desculpa com os pais do menino por não ter tido tempo de comprar um presente. O avô materno testemunha a cena e tranquiliza a madrinha: “Esqueça o presente. Presença é o que importa!”.
Quantas vezes cada um de nós já ouviu esta frase: “a presença é o que importa”? Mas, qual o significado mais profundo desta expressão? Indica que o convívio presencial, o encontro pessoal é o que realmente permite expressar as emoções, a afetividade e o carinho, impossível de serem “entregues” em um presente material.
Os valores da sociedade consumista têm superado o que realmente importa: emoções, experiências, convivência, lealdade ao que realmente somos, cheiros, sabores, amanheceres e entardeceres, boas risadas, beijos, abraços. Isso é o que constituirá nossas belas lembranças, enquanto que raramente nos lembramos de quem deu qual presente e quando. A presença significa o ato generoso de doar parte do tempo que misteriosamente nos foi dado para viver, nosso mais valioso bem, totalmente perecível, pois o tempo passado não volta mais, e não renovável, pois não há como “reciclar” ou viver novamente um momento vivido… A forma como usamos nosso tempo é um forte indicador de quem somos.
O mundo líquido de hoje confunde consumo com felicidade. Pior: ilude ao relacionar o consumo com a felicidade. E a humanidade vai às compras. Pais e mães ausentes enchem os filhos de presentes. Na volta das viagens, as listas de compra substituem os relatos cuidadosos e emocionados. E se dedica um bom tempo da viagem para a compra do tablet da Ju, o tênis do Paulinho, o celular da Mari, a máquina fotográfica do pai, calças, camisas, jaquetas, bonés, tocadores MP3, lap tops e muitas bugigangas, ao invés de usar a viagem para conhecer realmente o país, sua cultura, as pessoas, os locais que contam o que se passou com aquele povo que estamos visitando e o fez ser como é. As experiências e emoções das belas paisagens naturais e urbanas, da diversidade gastronômica e cultural, dos costumes e belezas das tradições locais muitas vezes são deixados de lado em favor do “shopping”.
Como contexto da sociedade humana e de sua relação com os recursos naturais, vale lembrar que entre 1960 e 2010, a população mundial mais que dobrou de 3 bilhões para 7 bilhões de pessoas, enquanto o gasto na compra de bens e serviços foi multiplicado por seis, de 5 trilhões para 30 trilhões de dólares equivalentes, sem contar o estupendo ganho de produtividade, que fez com que fosse possível comprar mais produtos com menos dinheiro. Pode-se dizer que, na média, cada ser humano vem consumindo quase três vezes mais do que há 50 anos.
Esse modelo de desenvolvimento, baseado na produção e no consumo excessivos, é insustentável social, ambiental e economicamente, e tem pouco a ver com chegar a ser mais feliz. “O homem moderno não está feliz”, disse em entrevista à Agência Universitária de Notícias da USP o psicólogo e pesquisador Luciano Espósito Sewaybricker , que, em sua pesquisa de mestrado, aponta que a sociedade do consumo banaliza a felicidade.
O Instituto Akatu, que trabalha há 12 anos em projetos de educação e de comunicação para mobilizar as pessoas para o consumo consciente, aponta que consumir é preciso, que não há vida sem consumo. Mas é necessário produzir, trabalhar e consumir diferente, buscando novos caminhos que apontem para um futuro sustentável. Um desses caminhos é o de um novo modelo de produção e de consumo que valorize as emoções, as ideias e as experiências mais do que os produtos materiais, que nos conduza a um mundo que privilegie o que de mais humano os humanos têm.
Essa proposta vai ao encontro dos conceitos de “Economia da Experiência” e “Sociedade dos Sonhos” , uma tendência do marketing mundial que anuncia novas necessidades e valores de mercado. É um fenômeno recente que atribui maior relevância ao componente emocional, aos valores e aos sentimentos que ao componente racional e material do consumo.
Seguindo essa linha, um exemplo é o projeto “Economia da Experiência”, que procurou incentivar empreendimentos turísticos no Rio Grande do Sul. Potencializa-se a produção de bens e serviços imateriais, na medida em que o viajar, conhecer o novo deixam para as pessoas as lembranças e o conhecimento das experiências e das emoções vividas. Criam-se condições para um menor impacto ambiental negativo, novos públicos são atraídos e, o que mais importa: as pessoas resgatam os valores do convívio, da contemplação, da experiência e da fruição, sem necessariamente comprar algo material.
Helio Mattar é doutor em Engenharia Industrial pela Universidade Stanford (EUA) e diretor-presidente do Instituto Akatu.
Artigo originalmente publicado na edição nº 34 [outubro, novembro e dezembro de 2013] da Revista Rossi.