O Brasil atualmente vivencia uma grande crise de água: o maior exemplo urbano é a crítica situação de São Paulo. Todos os cidadãos, hoje, acompanham o volume de água do sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento da região metropolitana.
Em março deste ano escrevi um artigo denominado “Crise de água: democrática e suprapartidária”, cujo objetivo foi expor o gradativo esvaziamento das instituições responsáveis pela gestão de água no Brasil. No entanto, estamos diante de um aumento da consciência da crise de água no mundo, como afirmou o presidente do conselho de administração da Nestlé em recente matéria do Financial Times, Peter Brabeck, “Estamos ficando sem água e isso precisa ser a maior prioridade.”
Como explicar essa situação paradoxal: de um lado o aumento da consciência da importância e dos cenários de escassez de água e de outro a anemia programada das instituições governamentais, que são responsáveis pelo seu planejamento e gestão.
No caso de São Paulo, certamente a crise pela qual passamos está associada a um episódio radical de pouca chuva. Em conversa com especialistas e gestores dos vários níveis de governo, fica claro que a probabilidade desta seca era muito reduzida, o que nos leva a indagar sobre que lição essa estiagem deve nos deixar.
Como não desperdiçar a água e a própria crise?
Certamente uma das lições é se incorporar a dimensão climática no planejamento e gestão dos recursos hídricos no Brasil. Explico: não é possível se afirmar com rigor científico que o fenômeno é resultado do aquecimento global. A contrario sensu, não é possível se excluir essa possibilidade, ainda que muitas outras causas contribuam para a crise. A exemplo da supressão da vegetação em grande parte do entorno da região metropolitana paulista, provocando ilhas de calor, modificação do micro-clima, enfim, uma mudança radical das condições ecológicas dessa porção do território.
Diante desse quadro, a primeira resposta passa por repensarmos os cenários do planejamento e gestão dos nossos recursos hídricos. Em 2006, o Brasil elaborou o seu primeiro Plano Nacional de Recursos Hídricos, uma iniciativa importante e pioneira, mas que deixou de incorporar o impacto do aquecimento global nessa política.
No que se refere ao planejamento paulista, podemos fazer a mesma crítica. As instâncias previstas pela Política Estadual de Recursos Hídricos (1991) também não incorporaram a dimensão climática em sua agenda.
A conclusão é inafastável. A mudança do clima está aí e temos que nos preparar para enfrentá-la. É o que, no jargão climático, chamamos de adaptação. Medidas de adaptação, neste caso, objetivam aumentar a “resiliência” das nossas cidades e regiões metropolitanas em termos de futuras estiagens e/ou desastres naturais provocados por chuvas muito intensas em períodos muito curtos.
E para que possamos enfrentar o problema é necessário se pactuar novos arranjos institucionais que permitam uma melhor governança dos recursos hídricos no Brasil. Esta deve contemplar obrigatoriamente a gestão das águas subterrâneas, que infelizmente foram deixadas sob a responsabilidade dos estados pela Constituição Federal de 1988.
Pior do que a falta d’água é desperdiçarmos a consciência que a população adquiriu. Se não cuidarmos, vai fazer falta.
Artigo publicado originalmente no site Fabio Feldmann Consultores
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