“A máquina de lavar da minha mãe quebrava muito menos… Minha avó usou o mesmo liquidificador por décadas… Lá em casa, parece que as coisas quebram ou se acabam muito mais rápido.”
Em que reunião de família ou de amigos frases como essas já não foram ditas? E são absolutamente verdadeiras. Não, não parece que as coisas quebram ou se acabam muito mais rápido: os produtos saem da indústria com prazo de validade cada vez mais curto, o que induz o consumidor a comprar um novo. Os produtos têm se tornado “modelo antigo” cada vez mais cedo, porque são feitos para durar pouco ou ficam ultrapassados por lançamentos com novo design e mais atributos de uso. Freio inovador, câmara de ré, forno ‘autolimpante’, mais memória, visor maior, visor menor, acesso a redes sociais, solado com amortecimento, tecidos antitranspirantes, comando de voz… enfim, as inovações são infinitas e frenéticas, nem sempre necessárias para o consumidor, mas com um enorme apelo de marketing. Como brinca um amigo, “tem celular que até serve para falar”.
Estes são os efeitos da obsolescência programada ou acelerada. Obsolescência vem de obsoleto, quer dizer tornar-se antigo, caduco. É algo que acontece naturalmente com qualquer objeto. Afinal as coisas sofrem desgastes pelo uso comum. Mas, e se fosse possível ditar o momento em que um produto entra em desuso ou, de repente, “envelhece”? Planejar o envelhecimento de um produto é programar sua obsolescência. Ou seja, estabelecer quando ele vai deixar de servir, quando vai quebrar ou parar de funcionar, mesmo que pudesse tecnicamente durar muito mais.
A obsolescência programada é um artifício do setor produtivo para acelerar o fim de produtos e serviços, por quebra precoce ou substituição por modelos mais novos. E ainda conta com o suporte da propaganda e da publicidade, que vendem a atualização tecnológica constante como artifício para a busca de felicidade. Isso movimenta a produção, ajuda a atingir metas de vendas, até contribui para o aumento do PIB dos países. Mas os custos social e ambiental são altos e na maioria das vezes não compensam. Afinal obsolescência programada incentiva o estilo consumista da nossa sociedade, e um padrão de produção e consumo insustentáveis para a vida humana no planeta.
A humanidade já consome 50% mais recursos naturais renováveis do que o planeta é capaz de regenerar. Isso acontece quando apenas 16% da população mundial é responsável por 78% do consumo total. Se todo o mundo consumisse como os habitantes mais ricos, seriam necessários quase cinco planetas para suprir esse consumo.
Isso significa excessos no uso de água, energia e nas produções agrícola e industrial; poluição de solo, ar e água; lixo, óleos diversos, esgotos domésticos e industriais jogados em mares, rios e oceanos. Mais: o excesso no consumo gera montanhas de computadores, teclados, monitores, telefones celulares, pilhas e baterias descartados.
Por isso, o Instituto Akatu defende a revalorização da vida útil mais longa na produção e no uso de produtos e a opção, sempre que possível, por produtos duráveis em vez dos descartáveis ou dos de obsolescência acelerada. Não é questão de ser contra a produção e o crescimento econômico, afinal crescimento econômico não é a mesma coisa que desenvolvimento, este é um debate já superado há décadas. Se o ser humano quer viver mais e melhor, a questão que se coloca é a busca de um novo modelo de produção e consumo que inspire oportunidades de negócios social e ambientalmente mais sustentáveis e que atenda o bem-estar de toda a humanidade, com a maior eficiência possível no uso dos recursos naturais, com uma rentabilidade justa no uso do capital, visando a uma sociedade com maior equidade e justiça.
Como disse Cosima Dannoritzer, roteirista a diretora do documentário “The Light Bulb Conspiracy”, cujo tema é a obsolescência programada, em debate do qual participei em São Paulo, “podemos assumir uma postura de vítimas, de achar que as empresas são más e não fazermos nada. Ou então podemos tomar para nós alguns papeis nessa transformação e repensar o nosso consumo. A responsabilidade por essas mudanças é compartilhada”.
Saber que uma empresa usa trabalho escravo ou que não cuida do seu lixo pode nos levar a deixar de comprar um produto desta ou daquela marca. O consumidor pode valorizar ou desvalorizar as práticas das empresas por meio das suas opções de compra, desta forma contribui para a mudança do modelo vigente. As pessoas precisam acreditar que os seus atos de consumo são poderosos instrumentos políticos.
Helio Mattar, Ph.D em engenharia industrial, é diretor-presidente do Instituto Akatu.