Somos motivados durante as nossas vidas a usar a nossa inteligência para aprender, ter sucesso profissional e conviver com outras pessoas. Mas, para melhorar a sociedade, é fundamental que tenhamos “inteligência compassional”, disse Kailash Satyarthi, 62 anos, ativista indiano dos direitos humanos das crianças, que recebeu em 2014 o Prêmio Nobel da Paz, junto com a menina paquistanesa Malala Yousafzai.
“Apesar da internet, as pessoas se sentem desconectadas entre si. Só vamos conseguir entender o significado mais profundo de viver em sociedade quando as pessoas estiverem conectadas por um sentimento de compaixão”, disse Satyarthi. “Se tivermos cuidado com o próximo e usarmos a nossa inteligência, vamos conseguir melhorar a nossa sociedade. Precisamos globalizar a compaixão.”
Satyarthi participou hoje (27/01), em São Paulo, de uma discussão sobre trabalho infantil e trabalho escravo organizado pelo Instituto Ethos, Instituto Pacto (InPACTO), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Organização do Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil e Superior Tribunal de Justiça (STJ), com apoio da FecomercioSP.
Em 1980, Satyarthi abandonou a engenharia elétrica para se dedicar ao combate ao trabalho infantil. “Muita gente deu risada de mim, já que era uma carreira que dava muito dinheiro na Índia. Nessa época, não se falava sobre direitos da criança como se fala hoje e a estimativa era de 250 milhões de crianças exploradas. Hoje o número caiu para 168 milhões”, conta. Neste ano, ele criou a organização Bachpan Bachao Andolan (Movimento pela Salvação da Infância), que já libertou mais de 83,5 mil crianças de várias formas de trabalho e do tráfico de pessoas.
Além de liderar o resgate de crianças, o indiano desenvolveu um modelo eficiente para educação e reabilitação das vítimas. “Não há maior pecado do negar a uma criança sua liberdade, que foi o melhor dos presentes que nos foi concedido. Enquanto houver 1 criança trabalhando, que seja, temos uma mancha que vale para todos ”, disse.
Ele coleciona histórias de sua vivência no encontro com crianças trabalhadoras. “Uma vez conversei com um menino na Costa do Marfim que estava todo machucado, que me contou que trabalhava em uma fazenda de cacau. O cacau serve para produzir chocolate, o doce associado ao amor, que também movimenta milhões de dólares na economia. Perguntei se ele gostava de chocolate e ele disse que nunca havia experimentado. Fiquei com vergonha de ouvir isso. Vocês não ficam?”, indagou.
Em 1997, Satyarthi organizou a Marcha Global contra o Trabalho Infantil. O movimento levou 500 crianças de todo o mundo para acompanhar a votação da Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho, que aprovou a proibição das piores formas de trabalho infantil.
Na sua visita ao Brasil, país que considera “sua segunda casa”, Satyarthi contou que já planeja uma nova marcha, maior e mais ambiciosa. “Será uma marcha de 100 milhões de pessoas para 100 milhões de crianças que trabalham. Nesta ocasião, o Brasil mostrará sua liderança no tema”, disse. Na visão de Satyarthi, o Brasil fez avanços muito importantes contra o trabalho infantil e tem ingredientes importantes para continuar a enfrentá-lo. “Há leis ótimas, além das garantias constitucionais, e um Poder Judiciário pró-ativo, que leva a luta para frente. Quando falo sobre a nossa causa, sempre menciono o Brasil.”
Não só o governo e a sociedade civil devem combater o trabalho infantil, mas também as empresas, na visão de Satyarthi. “A economia não é um fim, é um meio. Por isso, as empresas precisam compreender seu objetivo social, aceitar seu papel essencial de trazer melhorias à sociedade. O lucro é apenas uma meta específica e rasa para uma empresa”, disse o ativista.
Jorge Abraão, presidente do Instituto Ethos, reforçou a importância do papel das empresas. “Quando as empresas envolvem setores econômicos há um ganho de escala, como aconteceu com o setor de carvão, por exemplo. O grupo de trabalho sobre carvão sustentável causou um grande impacto na sociedade”, exemplifica. “A combinação de forças é fundamental para resolver o problema: governo, sociedade civil e empresas devem estar empenhados. Não haverá desenvolvimento sustentável se forem respeitados os direitos humanos.”
Mudança de perfil
A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, chamou atenção para a mudança de perfil do trabalho infantil no País, apontando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad): 80% das vítimas de trabalho infantil têm mais de 14 anos e 69% vivem em área urbana, em comércios e pequenos negócios.
“A cara do trabalho infantil no Brasil não é aquela que nos vêm à cabeça, da criança trabalhando na carvoaria ou em uma fazenda de cultivo de cana de açúcar”, disse a ministra. Além disso, o crescimento do trabalho infantil nos últimos anos não acontece nas camadas mais miseráveis da população. “O motivo do trabalho das crianças não é a fome”, explica a ministra. “E essa mudança de perfil exige uma abordagem diferente.”