Que parte dos conteúdos pedagógicos oferecidos hoje nas escolas e universidades brasileiras consegue responder ao imenso desafio de formar cidadãos preparados para enfrentar a maior crise ambiental da história da humanidade?
Não é exagero.
A triste realidade é que o analfabetismo ambiental continua produzindo gigantescos estragos na formação de nossos jovens que, não raro, já adultos, vão buscar no mercado cursos complementares que tentam suprir essas lacunas nos currículos. Quem faz esses cursos por aí (alguns deles reconhecidamente sérios como os da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e do Rio, e da Fundação Dom Cabral) costuma reagir com perplexidade ao descobrir como certas informações consideradas básicas jamais haviam sido compartilhadas em sala de aula. E isso tem um custo pessoal e profissional enorme.
Todas as profissões, sem exceção, demandam ajustes nas respectivas formações para que saibamos lidar com as “novidades” que surgem nos respectivos mercados. Isso já é sabido e faz parte de um mundo em constante processo de mudança. Mas, em se tratando das questões ambientais, as “novidades” – principalmente aqueles que demandam uma ampla revisão de conceitos, métodos e práticas configurando, na verdade, uma nova cultura – vêm acompanhadas de uma forte reação. Não se trata apenas de mudanças pontuais ou ajustes tecnológicos em um determinado ponto da cadeia. Estamos falando de mudanças estruturais que configuram um novo olhar sobre a realidade que nos cerca.
Em resumo: é situar as limitações do planeta no seu radar. É reconhecer que o atual modelo de desenvolvimento (baseado no hiperconsumo e na carbonização acelerada da atmosfera) nos precipita na direção do abismo. É fazer tudo (ou quase tudo) diferente do que vinha fazendo. É qualificar o emprego do tempo e da energia em favor da mais ampla e urgente reengenharia de processos (múltiplos e variados) que o mundo jamais viu.
É uma tarefa hercúlea, porque, em alguma medida, depende do engajamento de todos, mas é inevitável fazê-lo.
Na verdade, muito timidamente, já está sendo feita. Novas profissões – algumas delas nem nome certo têm ainda – surgem a reboque dessa demanda do mercado para reinventar rotinas onde o “business as usual” é visto como ameaça real e mensurável à sobrevivência do negócio. Inovação é a regra. Sustentabilidade é o objetivo.
Com o encerramento do ano letivo, está chegando a hora de programar o que será mantido ou alterado nas grades curriculares das instituições de ensino em 2016, na margem de manobra possível levando em conta os limites impostos pelo Ministério da Educação. Abre-se no calendário escolar uma preciosa janela de oportunidade para aproximar o mundo real das salas de aula.
Hoje falarei das escolas.
A educação para o consumo consciente é o conteúdo mais urgente – e invisível – nas instituições de ensino públicas e privadas do Brasil. Mesmo quando a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial e outros organismos multilaterais denunciam o consumismo (o hiperconsumo que normatiza o excesso, o desperdício e até a ostentação) como um dos grandes vilões ambientais da atualidade – pela retirada sistemática de recursos naturais não renováveis fundamentais à vida, agravamento do efeito estufa, geração monumental de lixo etc –, há meninos e meninas que passam pela escola sem associar o consumo perdulário à degradação do planeta onde vive. Serão adultos possivelmente infelizes, por acharem que só é possível alcançar a realização pessoal acumulando bens e posses, e certamente engrossarão as fileiras dos inadimplentes (“negativados”) se não aprenderem a tempo a evitar as tentações do “crédito fácil” para realizar sonhos de consumo descartáveis e perecíveis.
Em meio à avalanche de apelos publicitários dirigidos ao público infantil, com menos restrições do que se verifica na maioria dos países do Hemisfério Norte, os brasileirinhos poderiam se proteger melhor desse bombardeio onde o debate sobre “consumo consciente” for estimulado, inclusive com a participação dos pais ou responsáveis.
Recomendamos como fonte para esse ponto específico da reforma na grade curricular a Rede de Aprendizagem e Mobilização de Professores e Alunos para o Consumo Consciente do Instituto Akatu (Edukatu) e o Instituto Alana.
O exercício da “pegada ecológica” traz esse assunto para o cotidiano de nossas vidas, medindo os impactos causados pelos hábitos de consumo de cada aluno sobre a capacidade de suporte do planeta. Em resumo: ao responder a um questionário, o software, gratuito e disponível na internet – recomendamos o da organização Global Footprint Network, com perguntas traduzidas para o português – informa automaticamente qual seria o estado do planeta hoje se todos no mundo fossem iguais a você, e o que seria possível fazer para mudar essa situação. Vale a pena dedicar algum tempo para responder a perguntas simples, como “onde mora”, “meio de transporte utilizado”, “o que costuma comer”, “quanto consome de energia elétrica?”. O resultado enseja debates invariavelmente instigantes que nos predispõem a entender por que, nesta nave azul chamada “Terra”, somos efetivamente “tripulantes” (ativos) e não “passageiros” (passivos).
Mais de um professor já me convidou para conhecer de perto a atividade desenvolvida em sua escola pública ou particular onde já se pratica a reciclagem dos resíduos. Fala-se sobre nossa responsabilidade em relação ao lixo (o que é positivo), mas ignora-se de onde ele vem e por quê. A reciclagem nunca será uma solução em si mesma, mas um paliativo, uma medida importante para reduzir o estoque de resíduos que não merecem ser chamados de “lixo” por terem ainda utilidade e serventia. Lição que precisa vir junto: quanto mais consumimos, mais lixo geramos. E isso tem um custo econômico, social e ambiental.
O entendimento que de que a vida se resolve em ciclos interligados e interdependentes – poderíamos chamar a isso de “visão sistêmica” – poderia inspirar atividades ao ar livre onde o centro das atenções fosse uma horta comunitária. A “horta-escola” já foi instituída com sucesso em várias instituições onde as crianças mexem na terra, plantam sementes, cultivam as plantas, participam do preparo dos alimentos que vêm da horta e ainda reaproveitam o lixo orgânico no processo de adubação. Preciosos ensinamentos sobre os ciclos da natureza são eternizados em uma atividade lúdica e particularmente instrutiva nas cidades, onde boa parte das crianças nunca enxerga terra por perto e cultiva uma compreensível aversão por esse elemento básico da natureza, associando-o a algo “sujo”. Analfabetismo ambiental dá nisso.
Leia o artigo completo de André Trigueiro no blog Mundo Sustentável, do G1