A metáfora é óbvia. Imagine gastar todo o salário (bem) antes do final do mês e ter de apelar para um empréstimo no banco para poder continuar se alimentando, se locomovendo pela cidade e pagando gastos básicos do dia a dia. Agora imagine essa situação se repetindo mês após mês. Pois é algo parecido o que acontece com a humanidade em relação ao consumo dos recursos naturais do planeta, o que resulta no chamado Overshoot Day, o Dia da Sobrecarga da Terra, que em 2016 cai no dia 8 de agosto, o mais cedo da história.
O cálculo é complicado, mas a explicação é simples. Feita pela Global Footprint Network seguindo o conceito de “pegada ambiental”, uma análise determina em que dia a humanidade consome todos os recursos naturais que o planeta é capaz de recuperar e renovar ao longo de um ano. Para isso, a ONG usa dados da ONU, da Agência Internacional de Energia e da Organização Mundial do Comércio (OMC), além de dados governamentais dos próprios países. As demandas de consumo global, a eficiência na produção de bens e o tamanho da população, então, são contrapostos à capacidade da natureza de prover recursos e “reciclar” resíduos organicamente.
Considerado um termômetro para acompanhar a degradação do meio ambiente ao longo do tempo, o Dia da Sobrecarga passou a ser calculado no ano 2000. Desde então, a sobrecarga dobrou e a data acontece mais cedo a cada ano, com exceções apenas entre 2007 e 2008 (de 30/08 para 01/09) e 2008 e 2009 (de 01/09 para 06/09). No primeiro ano da medição, o esgotamento dos recursos naturais do planeta aconteceu em 4 de outubro, quase dois meses mais tarde do que a data determinada para 2016. Também foram feitos cálculos retroativos desde 1961, concluindo que o primeiro ano de Sobrecarga da Terra aconteceu em 1970, quando a data caiu no dia 23 de dezembro.
Mudanças de atitude são fundamentais
Hoje, a conclusão é de que a humanidade precisa de 1,6 planeta Terra para atender suas demandas. Algumas consequências dessa super exploração dos recursos naturais é o acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera, a erosão do solo, o desmatamento das florestas, a sobrepesca, a diminuição da biodiversidade e as mudanças climáticas. Assim, se nada mudar no comportamento de consumo humano, a projeção é de que precisaremos de quase três Terras antes de 2050.
Por outro lado, estima-se que a data poderia ser “empurrada” para a segunda quinzena de setembro caso até 2030 as emissões de carbono sejam reduzidas em ao menos 30% abaixo dos níveis atuais, meta estabelecida na Conferência do Clima das Nações Unidas em Paris (COP 21). “Somente com a implantação bem sucedida de novas mentalidades de consumo e produção essa meta poderá ser alcançada. Do ponto de vista individual, atitudes como a diminuição do consumo em excesso e com desperdício de energia elétrica, de carne e transportes movidos a combustíveis fósseis são algumas das principais maneiras de colaborar, lado a lado com os compromissos de governos e empresas no combate ao desmatamento e recuperação de áreas degradadas no planeta”, explica Helio Mattar, diretor presidente do Instituto Akatu.
Credores e devedores
Embora o Dia de Sobrecarga da Terra seja determinado levando-se em conta o consumo global da humanidade, há uma grande variação da data de um local para outro. O Brasil, por exemplo, é “credor”, oferecendo mais recursos naturais do que consome (graças à Amazônia, principalmente), enquanto Singapura, formada praticamente apenas por área urbana, tem seu Overshoot Day logo no dia 2 de janeiro. Essa situação é comum a países com pequena biocapacidade, especialmente nações formadas por ilhas ou com territórios desérticos.
Isso não significa, no entanto, que as nações “credoras” usem seus recursos com sabedoria. Elas simplesmente são mais ricas em termos de biocapacidade. Há, no entanto, uma tendência clara de sobreuso dos recursos entre os países desenvolvidos. Alguns dos principais “devedores” ambientais são Japão, Suíça, Itália, Reino Unido, China e Estados Unidos, enquanto, além do Brasil, Indonésia, Suécia, Austrália, Madagascar e Canadá aparecem entre os “credores”.
Programação especial no Museu do Amanhã
Parceiro da Global Footprint Network, o Museu do Amanhã terá um evento especial para destacar a data e lembrar a urgência da busca por alternativas de desenvolvimento sustentável. Na própria segunda-feira, 8 de agosto, às 15h, o jornalista e ambientalista André Trigueiro promoverá uma reflexão sobre o tema no evento “Consumo consciente: uma questão de sobrevivência”, que acontece no Observatório do Amanhã, com capacidade para 50 pessoas. A intenção é “apontar quais caminhos temos de seguir para alcançar um modelo no qual o consumo não seja um agente de destruição e devastação do meio ambiente”.
“Vamos refletir sobre o ato banal de consumir. Que é um ato político, com impacto direto sobre os ecossistemas do planeta, sobre a água, energia e sobre a nossa qualidade de vida”, explica o jornalista da TV Globo. As inscrições para o bate-papo são gratuitas e podem ser feitas no site oficial do Museu, www.museudoamanha.org.br.