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30.06.14 às 19:04

Resíduo bom é o que não é gerado

A reciclagem de resíduos não muda a essência de nosso padrão de consumo, reflexão fundamental quando pensamos em sustentabilidade
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Foto: Enzo D./Creative Commons

 

Reciclar é preciso, no entanto, não é suficiente. A reciclagem de resíduos não muda a essência de nosso padrão de consumo, reflexão fundamental quando pensamos em sustentabilidade. A geração de resíduos é um indicador muito representativo do nível de produção e consumo e, em muitos casos, também de desperdício. É importante manter em mente que o resíduo do nosso consumo é apenas uma parte, e bem pequena, do total dos resíduos gerados durante o processo produtivo de cada produto, desde a extração, processamento, armazenamento e venda. E estes resíduos precisam ser recolhidos, tratados, descartados e/ou reciclados.

E quem paga esta conta? O consumidor, sempre. Esse custo está embutido, na forma de impostos, no preço do que estiver sendo comprado, impostos que as prefeituras usam para pagar pelos serviços de coleta, transporte, deposição final ou reciclagem. Este custo está também no meio ambiente, produzindo poluição visual, olfativa, obstruindo vias e canais de escoamento de água e, muitas vezes, trazendo riscos de doenças, especialmente quando se considera que quase 50% dos resíduos gerados vão para lixões e não para aterros sanitários.

A geração de resíduos per capita no Brasil vem crescendo nos últimos anos. Os dados oficiais mais recentes, da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, do IBGE, indica que 190 milhões de brasileiros geram quase 160 mil toneladas de resíduos urbanos diariamente. Pode-se dizer que cada brasileiro gera aproximadamente 1,4 kg de resíduos por dia, dos quais 60% são orgânicos e 40% são materiais recicláveis ou rejeitos sem utilização possível.

Dada a expectativa média de vida do brasileiro de 73,8 anos , cada pessoa gera, ao longo de sua vida, 37,7 toneladas de resíduos, o que significa que uma família de quatro pessoas gera, ao longo da vida, resíduos suficientes para encher 22 caminhões de lixo.

Se, em vez de descartar, essa família guardasse todo o resíduo que produz, precisaria de quatro apartamentos de 60 m2: um para morar e os outros três só para depositar resíduos, do chão até o teto.

Reciclar resíduos é imperativo. Ao reutilizar ou reciclar o que seria descartado, reduz-se o volume de lixo e, ao mesmo tempo, se recoloca nas cadeias produtivas insumos que já passaram por um processo de manufatura, o que permite reduzir o consumo de energia e, em geral, também o de água na produção desses insumos quando comparado ao que seria gasto na sua produção feita a partir dos recursos naturais virgens.

Porém, a reciclagem continua a demandar transporte, energia, água, recursos naturais para que possa ocorrer o processamento dos resíduos gerando novas matérias primas que servirão de insumos em algum processo produtivo.  Além disso, embora a reciclagem signifique uma mudança no processo de produção, o modelo de consumo não se altera, o que seria fundamental para uma sociedade mais sustentável.

Mas, sem dúvida, é melhor que exista a reciclagem do que não exista. Para isso, um mecanismo importante é a  Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010 e que entrará em vigência em agosto de 2014. A Política está assentada em três princípios básicos:

1) evitar a retirada de recursos naturais do meio ambiente;

2) reduzir a geração de resíduos sólidos;

3) reusar, reciclar, dar tratamento e dispor adequadamente os resíduos gerados.

A ordem na qual esses 3 princípios é apresentada não é aleatória, mas definidora da direção que deve ser seguida: a sociedade brasileira (governo, cidadãos e setor produtivo) será estimulada inicialmente a evitar a geração de resíduos,  em seguida, a reduzi-la, e finalmente, a reutilizar ou reciclar os resíduos, evitando a produção de lixo. Para atingir tais princípios, a lei propõe três importantes inovações, que vão mudar o dia a dia dos brasileiros:

(a) o fim dos lixões, dado que as prefeituras estão obrigadas a fechar todos os lixões e outros tipos de depósitos não adequados, e, a partir de agosto de 2014, só poderão ser usados aterros sanitários;

(b)  a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, o que implica que fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, concessionários dos serviços de limpeza urbana, governo e consumidores serão corresponsáveis pela redução dos impactos causados pelos resíduos à saúde humana e à qualidade ambiental. De que forma? Minimizando o volume de resíduos e zelando pela destinação correta;

(c) a logística Reversa, um conjunto de ações, procedimentos e meios que o setor produtivo deve implantar para recolher os resíduos sólidos gerados por seus produtos e serviços. A legislação obriga fabricantes, importadores, distribuidores e vendedores a recolher os resíduos e produtos de seis setores: agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes e produtos eletrônicos.

A implantação dessa política tem gerado muito debate e movimentação em torno do tema, nos municípios e empresas. Em meio a esta movimentação, é importante destacar o papel dos consumidores que, como cidadãos, podem (e devem) acompanhar os movimentos em curso e demandar informações e ações por parte de prefeituras e empresas. E, claro, consumir com mais consciência, para produzir menos resíduos.

Helio Mattar é doutor em Engenharia Industrial pela Universidade Stanford (EUA) e diretor-presidente do Instituto Akatu.

Artigo originalmente publicado na edição nº 35 [janeiro, fevereiro e março de 2014] da Revista Rossi.

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