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22.04.15 às 11:06

O que você come na Páscoa é realmente chocolate?

Um em cada três chocolates comuns vendidos no Brasil não pode ter o nome de chocolate porque não é feito com o percentual mínimo de cacau estabelecido pela Anvisa

Foto: Creative Commons/Sophiea

Comentário Akatu: ler o rótulo de um produto antes de decidir uma compra faz parte da lista de comportamentos que indicam o consumo consciente. Se por um lado é importante que as pessoas tenham esse hábito de analisar os rótulos, por outro é essencial que as empresas divulguem essa informação de forma clara e completa. O percentual de cacau, por exemplo, é uma das informações que devem estar presentes no rótulo de um chocolate, como sugere o artigo abaixo.

Ao longo dos últimos meses de 2014, a produção de chocolates ganhou destaque na imprensa brasileira, haja vista o risco de seu principal ingrediente, o cacau, desaparecer do mercado na década de 2021. A retração na oferta de cacau oriunda do Oeste da África, um dos principais polos fornecedores do produto no mundo, e o aumento da demanda por chocolates em países emergentes, a exemplo de China e Brasil, seriam os principais motivos para o risco supramencionado.

A consistência dos argumentos referentes ao colapso da curva de oferta de cacau no médio e longo prazos é questionável, o que pode ser melhor elucidado em estudo a ser elaborado oportunamente. Há números consistentes, contudo, que comprovam a expansão da curva de demanda desse produto ao longo dos últimos anos, inclusive em território nacional. De acordo com dados do Target Group Index, do Ibope Media, embora o consumo médio brasileiro ainda seja considerado baixo pelas empresas do setor (algo próximo de 2,3 quilos per capita anuais), a expansão desse mercado foi de 39% entre 2008 a 2012, tendência ainda constatada atualmente. A ascensão da festejada classe C é uma das principais causas para a referida expansão.

Mas será que o chocolate consumido no País é de qualidade? A fim de responder adequadamente essa pergunta, apresentam-se, a seguir, quatro seções: 1) definição conceitual de chocolate e de achocolatado; 2) comparação entre o percentual de cacau nos chocolates produzidos em território nacional e em alguns países desenvolvidos; 3) outros desafios constatados no mercado de chocolate brasileiro, em comparação ao que ocorre no mercado externo; e 4) considerações finais.

Definição dos conceitos de chocolate e de achocolatado

De acordo com a definição3 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), chocolate é “o produto obtido com base na mistura de derivados de cacau (Theobroma cacao L.), massa (ou pasta ou liquor) de cacau, cacau em pó e/ou manteiga de cacau, com outros ingredientes, contendo, no mínimo, 25% de sólidos totais de cacau. O produto pode apresentar recheio, cobertura, formato e consistência variados”.

O conceito de achocolatado é um pouco mais abrangente. Em sua apresentação mais simples, o achocolatado contém, atualmente, cerca de 70% de sacarose ou de outros açúcares e menos de 25% de cacau em pó. Outros ingredientes típicos usados na formulação de achocolatados comerciais incluem extrato de malte, açúcar e glicose, vitaminas e sais minerais como suplementos. Fortificação de achocolatados com sais de ferro (fumarato ferroso, sulfato ferroso, pirofosfato férrico) vem sendo realizada com o intuito de diminuir o índice de anemia em crianças e adolescentes.

Não obstante a abrangência do conceito de achocolatado, a legislação brasileira define com clareza o que é chocolate. Em que pese essas distinções, muitas vezes o mercado nacional disponibiliza ao público consumidor achocolatado como se chocolate fosse, argumento que será melhor desenvolvido na seção 3.

Comparação do percentual mínimo de cacau entre o chocolate produzido no Brasil, nos Estados Unidos e em países europeus

Como visto na seção anterior, o percentual mínimo de cacau exigido na fabricação de chocolates em território nacional é de 25%. Destaca-se, contudo, que essa é a porcentagem exigida pela Anvisa desde 2005, porquanto, antes desse ano, exigia-se o mínimo de 32% de cacau na composição total do produto.

A redução da quantidade mínima de cacau no chocolate brasileiro aumentou a defasagem da qualidade do produto nacional em relação ao que se produz em alguns países desenvolvidos. No caso dos países da União Europeia, a Diretiva n.º 73/241/CEE, do Conselho Europeu, estabeleceu as definições, bem como as regras comuns referentes à composição, às características de produção, ao condicionamento e à rotulagem dos produtos de cacau e de chocolate. De acordo com essa norma, chocolate é o produto obtido do cacau e de açúcares, contendo, no mínimo, 35% de matéria seca total de cacau, dos quais, pelo menos, 18% de manteiga de cacau e, no mínimo, 14% de matéria seca de cacau isenta de gordura — no caso de chocolate com flocos, o mínimo de cacau exigido é de 32%.

A compreensão da quantidade mínima de cacau nos chocolates produzidos nos Estados Unidos demonstra-se um pouco mais complexa, pois se admitem, nesse país, duas subcategorias principais para o produto: a do chocolate ao leite e a do chocolate preto. Nesse contexto, enquanto o chocolate ao leite norte-americano pode ter o mínimo de 10% de cacau em sua composição, a produção do chocolate preto exige, pelo menos, 35% de cacau no alimento.

Outros desafios constatados no mercado brasileiro de chocolates

Além do baixo teor de cacau exigido nos chocolates pela legislação brasileira, outro desafio constatado diz respeito ao fato de que o mínimo legal não tem sido respeitado por vários produtores no País. De acordo com o Presidente da Associação de Turismo de Ilhéus (BA), senhor Marco Lessa, um em cada três chocolates comuns vendidos no Brasil, produzidos pelas grandes indústrias, não pode ter o nome de chocolate porque não é feito com o percentual mínimo de cacau estabelecido pela Anvisa. Diante desse desafio, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab) classifica os produtos feitos com menos de 25% de cacau como produtos com “sabor de chocolate”, os quais são ricos em açúcares e gorduras, muitos dos quais de baixa qualidade.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), das oito marcas de chocolates mais vendidas no Brasil — Arcor, Brasil Cacau, Cacau Show, Garoto, Hershey’s, Kopenhagen, Lacta e Nestlé — a maioria não informa, no rótulo, a quantidade de cacau no produto. Nesse contexto, é possível que seja mais significativa a quantidade de chocolates com percentual de cacau inferior a 25% do total.

Ainda em consonância com o Idec, entre os chocolates ao leite, apenas os da Cacau Show têm o percentual de cacau estampado na embalagem. O teor de cacau também não é estampado nas embalagens de muitos chocolates meio amargos e amargos: dos oito chocolates meio amargos pesquisados, apenas três têm a informação no rótulo: Cacau Show, Hershey’s e Arcor. Entre as marcas de chocolate amargo, duas não têm o dado: a Kopenhagen (tabletes de 40g e 85g) e a Brasil Cacau (tabletes de 20g e 100g), sendo ambas pertencentes ao mesmo grupo.

A situação é bastante diferente entre vários chocolates importados vendidos no Brasil. A pesquisa do Idec supramencionada analisou os rótulos de seis marcas importadas (Casino Lait Dégustation, Guylian, Lindt Swiss Classic, Milka, Nestlé Crunch e Ritter Sport) e constatou que todos apresentam o teor de cacau, mesmo que em letras reduzidas ou no verso das embalagens.

Considerações finais

O percentual mínimo de cacau nos chocolates brasileiros é um dos desafios para que o País seja competitivo no mercado internacional do produto. Diante dessa realidade, há debate na Câmara Setorial do Cacau do Ministério da Agricultura para que a legislação estabeleça o mínimo de 35% de cacau no chocolate produzido no Brasil, quantidade que já tem sido observada em países europeus, como mencionado neste estudo.

A falta de informações completas nos rótulos dos chocolates e dos achocolatados também foi objeto de análise recente do Congresso Nacional. A tramitação do Projeto de Lei da Câmara Federal nº 851, de 201111, possibilitou a essa casa parlamentar debater a proibição dos termos “chocolate”, “chocolate branco” e “achocolatado” em rótulos de produtos que não contenham uma quantidade mínima de cacau em sua composição. Ademais, sugeriu-se, quando da tramitação desse projeto na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, que os produtos denominados “chocolate”, “chocolate branco” e “achocolatado” divulgassem, em suas embalagens e na publicidade, informação sobre o percentual de cacau e seus derivados contido na composição — na embalagem, a informação deveria ser grafada em tamanho superior a 1/3 do tamanho da fonte utilizada para grafar a marca do produto.

Diante do exposto, entende-se que é possível avançar na legislação referente aos chocolates brasileiros, seja no que diz respeito ao percentual mínimo de cacau no produto, seja no que tange às informações que devem constar do rótulo do chocolate. A questão não é proibir produtos com baixo teor de cacau, mas informar corretamente ao consumidor se aquilo que consome é chocolate ou se é algo que se assemelha ao chocolate. O poder público e a sociedade civil organizada podem apresentar importantes contribuições nesse processo.

O texto foi publicado originalmente no Boletim Legislativo nº 24 da Consultoria Legislativa do Senado.

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